fazenda santa clara ...Ouro, café e gado de João honorio de Paula motta

Apoio ao documentário Santa Clara...Clareai., lançado a 14 de Abril de 2018 em Santa Clara. Santa Rita de Jacutinga-MG

domingo, 28 de maio de 2023

 

A Estrada do Bom Jardim e o Menino Gabriel

 

 

            Quando todos cuidaram que esta grande via de comunicação, a mais importante para os municípios de maior produção do sul de Minas, estaria livre e desassombrada da guerra que há seis anos lhe move o capricho de uma célebre; quando ninguém supunha que essa guerra reaparecesse em vista do fato incontestável de fazer-se por esta todo o trânsito que de outrora pelas estradas do Chora e Santa Rita de Jacutinga se fazia; quando finalmente, essa estrada e sua direção, ultimamente examinada por dois engenheiros distintos, foi por eles julgadas as de melhores condições não só para rodagem de primeira classe, como para uma via férrea de declividade nunca excedente a 1 ½ %; eis que aparece nas colunas do Correio Mercantil de 28 de março último, oculto como sempre, o menino que compõe a epígrafe deste artigo, dirigindo chalaças e delusões indiscretas, ou melhor, estúpidas, aos Srs. Engenheiros Aroeira e Manoel Pereira, pelo fato de haverem percorrido juntos as duas estradas que se disputam a preferência. Não refutaremos essas parvas alusões, porque elas se acham refutadas pelo contraste de caráter que há entre o agressor e os agredidos.

            Escrevendo este artigo, só temos em vista informar o público da pertinácia com que se pretende ainda demorar a solução da mais célebre questão que nesse gênero tem aparecido, e que o mesmo público aguarda com interesse. Certo o mesmo Gabriel de que o engenheiro Aroeira não fora fascinado pelo melodiano canto das sereias bípedes, a quem fora por ele apresentado, com a mesma facilidade com que o Sr. Domonte se fascinara pelas sereias quadrúpedes, e nem tão pouco a riqueza e magnificência do palácio em que fora hospedado lhe haviam ofuscado a vista e transviado a razão para não distinguir o superior do péssimo, partiu imediatamente para o Rio de Janeiro para informar ao tio doutor desse raro e espantoso fenômeno!

            Dias depois seguia ele a caminho de Ouro Preto munido de cartas de empenho para que o presidente de Minas não desse crédito às informações do engenheiro Aroeira, visto como, tinha ele feito os exames das estradas em questão em companhia de Manoel Pereira! Esquecia-se o menino que tinha ido debaixo de chuva, por caminho quase intransitável por causa da enchente do Rio Preto, encontrar o mesmo engenheiro, obsequiá-lo acompanhando-o no dia seguinte até a fazenda Santa Clara, aonde pernoitaram sem que esse fato inspirasse o menor receio a ninguém, tanto a respeito do caráter do hospedante, como da honradez do hospedado.

            Esquecia-se ainda que dias antes o Sr. Albergaria, encarregado pelo governo de examinar de passagem a questão, viajara com seu tio, que também o fora encontrar na vila do Rio Preto e recebera dele uma besta de sela; fora acompanhado de José Theodoro Rodrigues e Joaquim Pereira, percorrer parte da estrada do Boqueirão, sem que ninguém suspeitasse ou suspeite da honradez e caráter sério do Sr. Albergaria por ter recebido um mimo do Sr. Carlos Theodoro, fazer o exame acompanhado por dois homens capazes de prestar-se a ações e atos indignos. Continuemos. Além das cartas de empenho, o menino fora autorizado para oferecer gratuitamente ao governo a estrada que seu tio já havia oferecido na administração do Sr. Conselheiro Carneiro de Campos, e fora por ele aceita essa oferta mentirosa! Agora, porém, redobravam as condições vantajosas da oferta, cresciam os sacrifícios patrióticos e aumentaram rasgos de generosidade em favor do público e dos cofres provinciais! Que raro exemplo de patriotismo (digno de ser imitado) praticado repetidas vezes pelo homem que antes de aparecer a idéia desta estrada nunca os praticara para tornar o seu nome conhecido! Quem diria que a estrada do Bom Jardim havia despertar no coração de homens tão excêntricos o fogo de um entusiasmo tão patriótico a favor de melhoramentos de que tanto carecemos?! O que, porém, se não conforma com isso tudo é acharem-se duas pontes fechadas sobre o Rio Preto, sem que o público possa gozar dos excelentes caminhos, de que nos fala o menino em seu artigo, que atravessam as fazendas dos Srs. Fortes, que, segundo ele diz, sempre estiveram francos a todos! E os ferrolhos? Ah! É para que o público não vá dar uma volta sem conhecimento de causa! Está explicado! Muito bem! Continuemos. Além das cartas de empenho, repetição de ofertas gratuitas, etc, o menino teve ordem expressa do tio para que dissesse a todas as pessoas com quem falasse o seguinte: - Manoel Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de dívidas, está desgraçado! - Esta linguagem, como meio muito honesto e honroso do nosso herói para atravancar a estrada que o incomoda, não é nova, ela é irmã gêmea da mesma estrada, ou mais antiga por outros motivos mais sérios e graves.

            Com efeito, o nosso menino como sempre, nunca se esqueceu da fórmula recomendada, a qual já tanto se acostumou, que repetia a um mesmo indivíduo três a quatro vezes para o tornar bem ciente dessa circunstância importante para a causa de seu tio. E nós que desejamos auxiliá-lo nessa tarefa nobre, assim como em todas dessa ordem, autorizados pelo Sr. Manoel Pereira, declaramos que talvez seja essa a única verdade de que ele se serve para o triunfo de sua causa; mas asseguramo-lhes também que ainda essa circunstância não atravancará a estrada do Bom Jardim, ela continuará a melhorar-se todos os dias, a conservar-se constantemente, muito embora produzam as cartas de empenho e a nova oferta o efeito desejado.

            Desse modo fica dispensado o menino Gabriel de continuar com a sua árdua tarefa, porque, nós o repetimos: - Manoel Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de credores; está desgraçado! Mas a estrada do Bom Jardim continua e continuará!

            Duas palavras mais para descrever o menino Gabriel.

            Este herói, para ser conhecido o caráter, basta vê-lo, ouvi-lo e cheirá-lo. Visto, é um alfaiate de Paris! Ouvido, é o símbolo do pedantismo! Cheirado, é um vidro de almíscar ou patchuli! Mas como nem todos o vêm, nem todos o ouvem e nem todos o cheiram, vamos cantá-lo em verso, porque em prosa está cantado.

 

 

 

 

 

 

 

 

              I

 

Quando vires, leitor,

Menino magro e comprido

Trajando mui presumido,

Terás um certo doutor,

Formado para o amor.

Nunca para questões sérias,

Porque as suas misérias

Tornariam-se patentes

Desenganando as gentes

De seu saber em matérias.

 

              II

 

Foi bonito, é bem feito,

Corpinho bastante esguio,

Não se parece com o tio;

Espicha a perna, anda direito,

Em namorar é perfeito;

Promove suas conquistas,

Mostrando aparentes vistas

De no futuro casar

Com aquelas que enganar

Com promessas já previstas!

 

              III

 

Com luvas pretas calçando

Vê-lo-ás a toda a hora,

Calça estas as tira fora,

Sempre de cor variando,

E os gaiatos zombando

Do boneco perfumado:

Ande eu bem enfeitado

À custa de meus parentes,

Diz ele mostrando os dentes,

Embora seja zombado.

 

              IV

 

Meu solar é em Lisboa,

Diz ele sério falando,

Embora esteja eu andando

Por essa terra à toa

Eu tenho nome na história,

Desses feitos de glória

De minhas antepassadas,

De lauréolas coroadas

Por mais de uma vitória.

 

              V

 

Circula em minhas veias

Régio sangue puro e nobre,

Muito embora eu seja pobre,

Tenho solar com ameias;

Estou livre das cadeias,

Castigo dos plebeus,

Muito embora sejam meus,

Desprezo essa canalha,

Oriundos de gentalha,

Vil raça de pigmeus.

 

              VI

 

Gasto dinheiro a granel,

Disse mal, eu não sou pobre,

Por ordem do tio nobre

Que guerreia o Manoel,

Propago certo aranzel

Para chegar ao meu fim;

Todos acreditam sim

Não continuar a guerra,

Pois gastou tudo na terra

Da estrada do Bom Jardim.

 

              VII

 

Petit maître singular

Serei da história moderna,

Enteso bem minha perna,

Contradanço, sei bailar,

Farto a todos de cheirar

As minhas perfumarias,

Que enjoam por muitos dias

Quem tiver de as aturar,

Dou-me em tudo a revelar,

Até nas minhas manias.

 

              VIII

 

Aqui tens, caro leitor,

O retrato lindo e fiel

Do menino Gabriel

Apelidado doutor;

Sinto, porém, certa dor

Que, sendo ele togado,

Seja só advogado

No distrito da relação,

Que lhe negou permissão

De ser nunca magistrado!

 

              IX

 

É mentira, ele dirá

Quando ler este jornal,

Sou juiz municipal

Por um régio alvará;

Bem caro me pagará

O poeta desprezível

Que, reduzindo-me ao nível

Da mais simples expressão,

Feriu o meu coração

Na fibra a mais sensível.

 

 

(ass.) Pois não! Que esperança!

Correio Mercantil – 28 de abril de 1862

 

 

 

 

Gabrieladas

 

            Continuemos a cantar em verso o menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluira na Universidade de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé, que por onde passava queimava, quando não chamuscava.

            Cantemos o desditoso e infeliz pai da infeliz Eliza.

 

 

 

I

 

Passo uma vida feliz

Devido a duas questões

Gasto dinheiro aos milhões,

Sem olhar para o que se diz.

Minha tia nunca quis

Em tais questões figurar,

E muito menos gastar

O dinheiro que seu esposo,

Levando vida sem gozo,

Custara tanto a ganhar.

 

II

 

Eu, porém, que sei falar

Linguagem mui sedutora,

Engano a pobre senhora

Para dinheiro me dar;

Rio-me do seu chorar

Quando ela diz, meu sobrinho

Poupa esse dinheirinho

Que tanto custou juntar,

À força de mal passar,

A teu tio, coitadinho.

 

III

 

Acredite, minha tia,

Seu conselho seguirei;

Jamais nunca gastaria

Com bazofia ou bizarria.

Nunca mais esqueceria

Essa lembrança da história

Que faz a nossa glória

O nome de Thereziano,

E o de José Floriano,

De mui saudosa memória.

 

IV

 

Sei da história desgraçada

Deste último, tio meu,

Que na indigência morreu,

Não herdando de nós nada;

A família malfadada

Sofre demais a opressão

Que contrista o coração

Do ente o menos sensível,

Mas é vontade invencível

Do tio Dr. Zangão.

 

V

 

Portanto não gastarei

Sem motivo justo e nobre

O dinheiro que ao pobre

Ele e não eu roubei

Brevemente voltarei

Desta viagem ligeira,

Darei conta verdadeira

À minha boa madrinha,

Que verá da conta minha

Não ter gasto em bandalheira.

 

VI

 

Sigo então para Minas

Com ricos pagens fardados,

Quase como eu perfumados,

A conquistar as meninas

A quem repito mofinas

Até fazê-las ceder;

E depois venho dizer:

Minha tia, mais dinheiro,

Que o remendão carpinteiro

Pretende a questão vencer.

 

VII

 

Que vergonha minha tia,

Se tal coisa acontecer!

Tio doutor há de morrer

De paixão no outro dia:

Quem tal coisa pensaria

Depois de trabalhos tantos

De festas feitas aos santos,

Presentes à Albergaria,

Eu sempre de romaria

Sofrendo trabalhos quantos!

 

VIII

 

Eis que a pobre velhinha,

Por tais razões convencida,

Restando-lhe pouca vida,

Preenche a vontade minha,

Lastimando coitadinha

Por acreditar em mim;

Digo não há coisa assim

Como as duas questões:

Os Fortes fracos ladrões,

E a estrada do Bom Jardim.

 

IX

 

Que trabalhos, minha tia,

Sofri eu, passando mal

No Supremo Tribunal

E Relação da Bahia!

De noite nunca dormia

Pensando nestas questões,

Procurava distrações

Com medo de enlouquecer,

Promovendo assim vencer

Os Fortes fracos ladrões.

 

X

 

Sinto, porém, um pesar

Que me oprime o coração,

É que, finda esta questão,

Nesta cena singular,

Onde hei representado

Com caráter de honrado

O mais brilhante papel,

Passando por bacharel

Na velha Coimbra formado.

 

XI

 

Sinto mais ser divulgado

Por um moderno jornal

Segredo que em Portugal

Eu deixei recomendado;

Quis a morte, quer o fado

Que eu seja muito infeliz,

Suportando o que se diz

De minhas vadiações

Lá na terra de Camões,

Onde estudar nunca quis.

 

XII

 

Morreu a pobre Elizinha

De uma desgraça fatal,

Podendo de Portugal

Vir um dia a ser rainha;

Bastava se filha minha,

Que tenho sangue real,

Fosse embora bem ou mal

Essa menina arranjada

Com fidalga ou criada,

Ninguém sabia de tal.

 

(ass.) – O Rodim Rio-Pretano

Correio Mercantil – 6 de junho de 1862

 

 

 

I

 

Desculpa leitor amigo

Esta minha versalhada,

Sem medida e mal rimada

Que é esta a regra que sigo,

Desde tempo mui antigo

Conheço certas questões

Que só em versos ratões

Devem hoje ser cantadas,

Hoje queremos estradas

E não fechados portões.

 

II

 

Derrubem-se os mandões

Ridicularizem-se os tais,

Que sem menos nem mais

Vedam públicas servidões;

Complicam as questões,

Tudo oferecem sem cumprir;

Não se fartam de mentir,

E o público a sofrer

Dando voltas de morrer

E há de calar e ouvir?! Não.

                          (do autor)

 

 

   Gabrieladas

 

I

 

A Câmara Municipal

Desta nossa pobre vila

Embirrou, tomou quizila,

De nossa estrada fatal;

Procura-lhe fazer mal

Votando indicações

Pra que se abram portões

Que nunca deram caminho,

A um célebre homenzinho

Que insulta nossos brasões.

 

II

 

Esse mal eu já previa

Na passada eleição

Por isso de coração

Pedi muito a minha tia,

A ver se ela gostaria

Para eu sair presidente

Da Câmara com a minha gente;

Mas ela não quis assim

E o ingrato Bom Jardim

Fez-me ficar suplente.

 

III

 

Dos honrados suplentes

Presidente fiquei sendo,

E tão duro osso roendo

Com meus prateados dentes;

Combinei com meus parentes

Anular tal eleição,

Incumbindo-se o Zangão

De trapacear e mentir,

Até o poder conseguir

Dos poderes da nação.

 

IV

 

Depois de muito esperar,

De dois anos ter passado,

Vai o conselho de estado

Dá-me um cheque de matar!

Apeou-me do lugar

Na ordem da votação,

Sustentando a eleição

Do ingrato Bom Jardim

Que não quis votar em mim

Por causa do Boqueirão.

 

V

 

Passar por tal decepção

Depois de tantos trabalhos,

Antes bater com dois malhos

Na cabeça do Zangão;

Cortar-lhe mesmo o ferrão

E por-lhe o corpo a tinir,

Já que não soube zumbir

Para produzir efeito;

Zumbir a torto e a direito,

Não presta para mentir.

 

VI

 

Triste foi a decisão,

Cruel o meu padecer;

Antes queria morrer

Na pessoa do Zangão.

Dar gostos ao remendão

E a roda municipal

Foi desgraça sem igual

Para mim e meus parentes,

Que passados e presentes

Lastimamos este mal.

 

VII

 

Que me resta? Paciência.

A custo mostrar os dentes,

Já que até dos suplentes

Tiraram-me a presidência!

Alegre na aparência,

Vingança no coração,

Esperar a eleição,

Vencer a ferro e a fogo,

Mostrando assim ao povo

Que fortes os Fortes são!

 

VIII

 

Que nos resta? Suportar

Ainda por mais dois anos

O capricho dos tiranos,

Dessa câmara popular

Que não cessa de embirrar

Contra a nossa pretensão

De acabar com o Boqueirão,

Cortando pontas e serras

Para defender as terras

Do tio Doutor Zangão.

 

IX

 

Continue, não importa

A Câmara a representar

Ao Governo sem parar,

Que tal estrada está morta;

Ou seja direita ou torta

Essa por nós oferecida,

Ela será preferida

Pois temos muito dinheiro,

Não haverá engenheiro

Que contra nós se decida.

 

X

 

Mas se acaso algum turrão

Embirrar com a nossa estrada

Por não ter sido traçada

Com declive muito bom,

Responderemos então

Pela seguinte maneira

- A serra da Mantiqueira

Que nos opõe embaraços

Vai ceder a Fortes braços

Ainda que Deus não queira.

 

XI

 

Que! Atravessar uma estrada

Por meio de nossas terras

Perfurem-se montes e serras

Reduza-se tudo a nada;

Nossa justa pretensão

Entupir o Boqueirão.

Arrasando a Mantiqueira

É esperança lisonjeira

Do tio Dr. Zangão.

 

XII

 

Não olhemos a despesa

No custo de nossa estrada

Fique, pois, bem acabada

Essa magna empresa;

Imite-se a natureza

Com um outro boqueirão,

Mas feito em tal direção

No atravessar a serra

Que não vá cortar a terra

Do tio Dr. Zangão.

 

XIII

 

Arrasar a Mantiqueira

Para passar nossa estrada,

Custará pouco ou nada,

Será mesmo outra ligeira;

Ainda sendo a primeira

Em gênero e construção,

Elegância e perfeição,

Que perpetue na história

Um tal feito de glória

Do tio Dr. Zangão.

 

XIV

 

Perfure-se essa montanha,

Conste da história dos fatos

Célebres como o do Athos,

Hum, de glória tamanha!

Não foi maior a façanha

Desse antigo guerreiro

Por ter sido o primeiro

Que citou a natureza (1)

Para ceder com presteza

A seu poder e dinheiro.

 

XV

 

Imitemos o guerreiro

Que intimou o monte Athos

Não impedisse os atos

Dos monarcas o primeiro,

Do contrário iria inteiro

Entupir o oceano

Por ordem do soberano,

Que não poderia sofrer

Resistisse a seu querer

O soberbo monte ufano.

 

XVI

 

Perfurar a Mantiqueira

Aos Fortes será possível,

Reduzi-la mesmo a nível

Ainda que Deus não queira!

Desmentir ao Aroeira

E sua informação

Acerca do Boqueirão,

É dos Fortes um dever,

Para o mundo conhecer

A sua forte razão.

 

XVII

 

Entupir o boqueirão

Arrasando a Mantiqueira

A picão e cavadeira

A cavadeira e picão

Foi lembrança do Zangão

Foi lembrança lisonjeira

Ainda que Deus não queira

Disse ele estando a tossir

Por força hei de conseguir

Arrasar a Mantiqueira.

 

(ass.) O Menino

 

 

(1) Xerxes tendo perdido grande parte do seu exército na passagem difícil do monte Athos, deu ordem para que fosse perfurado, escrevendo-lhe ao mesmo tempo uma carta que lhe dizia que não se opusesse a sua resolução, do contrário o mandaria lançar no oceano.

A resposta do monte a tal intimação não é conhecida; talvez agora se encontra nas entranhas da serra, que vai ser perfurada com o mesmo fundamento. Se assim acontecer, que achado para a história!

 

Correio Mercantil – 12 de outubro de 1862.

 

N.B. – Existe uma quantidade grande de artigos, choradas em versos e mofinas, referentes a esta questão desde 1856.

 

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Antônio José de Freitas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

             

           

 

  • Vereador de Batatais - 1897-1898
  • Intendente de Batatais - 1898-1900
  • Deputado estadual - 1904-1905
  • Secretário de Justiça e Segurança Pública de SP - 1906-1912
  • Deputado Estadual - 1912 -1913
  • Prefeito de São Paulo - 1914-1919
  • Presidente do Estado de São Paulo - 1920-1924
  • Senador da República - 1925-1926
  • Presidente da República - 1926-1930 .

 


 

1-Processo crime original em que foram autora Dona Ignácia Maria da Silva Pereira e réus. Dr. Gabriel Ploisquellec Fortes Bustamante e outros.


2-Dicionário Geográfico- Dr. Moreira Pinto. Imprensa Oficial Rio de Janeiro 1889.


3-"Eu Sei Tudo" - 15º ano- nº10 "Os Índios Boroenos e Coroados".


4-"Anuário Estatísticos do Estado de Minas Gerais"1929.


5-“O malho” de 8-3-1934-nºXXII, Artigo Tipo e Curiosidades do Rio, no tempo do Império.


6-"Correio Mercantil” Diversos números
.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

Fattinechi 1875 ( disponível na Internet).

 

Preâmbulo

 

 

 

 

            Os acontecimentos que vão desenrolar-se na leitura deste trabalho, a ficção de romance, constituem, sobremodo, uma história pungente, onde surgem vultos portadores de títulos fidalgais que prevalecem das posições para humilhar aqueles que porventura procuram contrariá-los. É uma história escoimada de ficção, cor com que os autores tingem as suas  obras mudando-as de aspecto. Ela é a expressão forte da verdade, bebida em documentos de valor.

            A prepotência de uma família poderosa que domina rincões da terra brasileira é afinal destruída pela morte de um homem que sem força, a princípio, consegue cercar-se de uns cem números de elementos de escol para, depois de morto, conseguir o brilho de esplendores sonhados.

            Esses acontecimentos desenvolvem-se numa ocasião em que dois partidos- Conservador e Liberal- em renhida luta, dividem a alma do povo da Vila de Rio Preto, ainda nos albores de sua vida autônoma, pois não fazem ainda três anos que a Vila foi restabelecida, com a ascensão dos Conservadores.       Esses que são agora senhores da situação, com um prestígio forte diante dos Governos da província e do Império, desfrutam todas as posições de mando, enquanto noutras esferas, os Liberais digladiam suas armas disseminadas e enraizadas pelo Império, a fim de reconquistarem as posições perdidas há bem pouco.

            Ao sabor das injunções políticas, Rio Preto tem atravessado fases diversas de sua vida administrativa. Os Conservadores conseguiriam a elevação da localidade à Paróquia pela Resolução de 14 de Julho de 1832; a Vila pela Lei Provincial número 271, de 15 de Abril de 1844.

            Com sua derrota, foi a Vila suprimida pela Lei número 665, de 27 de Abril[1] de 1854.

Novamente restaurada pela Lei número 835, de 11 de Julho de 1857, com a reconquista das posições perdidas pelos Conservadores.

-Os Conservadores conseguiriam a elevação da localidade à Paróquia pela Resolução de 14 de Julho de 1832;

- à Vila, pela Lei Provincial número 271, de 15 de Abril de 1844.

- Com sua derrota, foi a Vila suprimida pela Lei número 665, de 27 de Abril[2] de 1854. Novamente restaurada pela Lei número 835, de 11 de Julho de 1857, com a reconquista das posições perdidas pelos Conservadores.

                Esses conhecendo que sua queda eminente avizinhava-se procuravam suprimir a Vila. Os Liberais, sem forças, pois tinham um raio de ação muito restrito, não conseguiram a sua instalação, constituindo-se assim, uma primazia dos Conservadores, que, com sua ascensão, aos altos postos do Governo Imperial, procuravam a instalação da Vila.

            Assim, na móvel Vila de Rio Preto, que conta com poucos anos de vida autônoma, em diversas fases, ecoam, agora, com mais vigor, as trompas liberais e conservadoras, empolgando a massa, dividindo-a, atirando-a em embates, constituindo assim, uma centelha do prélio admirável que entusiasma as esferas políticas do Império.

            Os Conservadores que, nessa ocasião, desfrutavam as prerrogativas de um Ministério, são aqui representados pelos Fortes. E, os Liberais por Manoel da Silva Pereira Júnior[3], português de origem que, como muitos de seus patrícios, rompe com os Fortes, família numerosa, composta com portadores de títulos fidalgais, para fundarem em Rio Preto, dentro de outros moldes, o partido Liberal.

            E, o partido de Pereira surge vigoroso, ameaçando destruir o prestígio formidável dos Fortes.

 

 

Local do assassinato de Manoel da Silva Pereira Junior[4], a Cava Grande, na divisa das terras de Eleutheria Claudina Fortes e Santa Clara. Santa Rita de - MG

 

 

                                                                        Capítulo I

A estrada Presidente Pedreira- Bom Jardim.

        Ao alvorecer do século passado, não havia caminho do vale do rio Preto que alcançasse a Zona do Campo.

            Para se atingir as terras além Mantiqueira havia um só caminho: as antigas picadas feitas pelo índio Coroados que iam apanhar pinhão, naquela Zona. Da Corte para a Província de Minas há diversos caminhos, mas, o desejado, que encurtaria distâncias, deveria ser construído nesta Zona.[5]

            A vila de São João Del Rei é o arauto da Província de Minas.

            Dois caminhos ligam, com rotas diferentes, a Província à Corte. Um, o descoberto por Fernão Dias Paes Leme, o Governador das Esmeraldas, que a história pátria contorna-o com mágicos lauréis; o caminho que sobe a Mantiqueira, procurando Passa Quatro.

            Outro, o descoberto pelos Otonis, o Caminho da Vila do Príncipe que desce o rio Paraíba do Sul até a foz do rio Paraibuna que é vadeado em seu caudal em grande distância.

            O Governo da Província do Rio de Janeiro já estudara o caso e punha-o em execução, construindo para isso a Estrada Presidente Pedreira que alcançava a Freguesia de Conservatória, na mesma Província, vizinha Comarca da Vila de Valença.

            No campo ia-se de Bom Jardim, por estrada de rodagem, a São João Del Rei, passando por Lavras do Funil.

            Terreno acidentado parece impossível à sonhada empresa de ligar a estrada de Presidente Pedreira, que termina em Conservatória, à Freguesia de Bom Jardim, separadas pelo mássico formidável da Serra da Mantiqueira, uma barreira que o homem julga intransponível, embora tendo aí as picadas dos índios, feitas em mato fechado, a enfrentar feras, a galgar montanhas, sofrendo uma sorte de sobressaltos.


            Para transitar em tais picadas há de fazer-se por etapas, com coragem inaudita, esforço sobre humano sujeito a perecerem num abismo.

 

A decisão  Imperial n° 54, de 23 de Fevereiro de 1824, já dava instruções  para a cobrança do pedágio na estrada aberta do porto do Agoassú até a ponte do Presídio do Rio Preto.

            Outra decisão imperial, a de 17 de dezembro de 1824, que recebeu n° 268 mandava abrir uma estrada desde o presídio de Rio Preto até entrar na Comarca de São João Del Rei.

            Visão mais longa teve o Governo imperial, em seu decreto de 25 de junho de1831 que ordenava a ramificação e a construção das estradas de Mar de Espanha,

 

Estrela, Comércio, Polícia, Rezende e Picu. Toda a renda seria coletada no Registro do Paraíba.

            Imitando esse gesto do Governo Imperial, a Assembleia provincial mineira, apresentou à sanção um projeto que foi feito lei, pela Resolução n° 407, de 12 de outubro de 1848, que autorizava ao governo da Província, a mandar continuar, sem demora, o alinhamento e construção da estrada geral do Presídio de Rio Preto, desde o lugar denominado Pisarão até a Vila de Formiga, assando pela Vila de Oliveira.

            Animado pela mesma ideia, o governo da Província do Rio de Janeiro procurou estudar esse problema e resolveu colocá-lo em execução, também, construindo para isso, a estrada Presidente Pedreira, que logo alcançou a freguesia de Conservatória, na mesma Província.



Capítulo II


 

 

[2] O Partido Conservador foi fundado pelo mineiro Bernardo de Vasconcellos, Ministro do Império, na Regência de Feijó.

[3] Manoel da Silva Pereira Junior. (nome que aparece em documentos “Relatório Conselheiro João Crispiniano Soares” em 16 de Julho de 1862). PÁGINA 08,

[4] Encontrado em documentos oficiais “Manoel da Silva Pereira Júnior”. FHOAA 2009.

[5] Os índios Coroados eram os indígenas do sertão entre os rios Preto e Paraíba do Sul. Eram assim chamados, pelo modo que cortavam os cabelos, tinham por costume cortá-los no alto da cabeça, ficando com eles, longos e escorridos, espargidos pelo ombro. Foram pouco a pouco desaparecendo, dizimados, por último, pela epidemia de varíola que grassou no vale do rio Preto.

A aldeia dos Coroados assentava-se numa das colinas que hoje se assenta a cidade de Valença