A Estrada do Bom Jardim e o Menino Gabriel.
( cedido por Rodrigo Fortes).
Quando todos cuidaram que esta grande via de comunicação, a mais importante para os municípios de maior produção do sul de Minas, estaria livre e desassombrada da guerra que há seis anos lhe move o capricho de uma célebre; quando ninguém supunha que essa guerra reaparecesse em vista do fato incontestável de fazer-se por esta todo o trânsito que de outrora pelas estradas do Chora e Santa Rita de Jacutinga se fazia; quando finalmente, essa estrada e sua direção, ultimamente examinada por dois engenheiros distintos, foi por eles julgadas as de melhores condições não só para rodagem de primeira classe, como para uma via férrea de declividade nunca excedente a 1 ½ %; eis que aparece nas colunas do Correio Mercantil de 28 de março último, oculto como sempre, o menino que compõe a epígrafe deste artigo, dirigindo chalaças e delusões indiscretas, ou melhor, estúpidas, aos Srs. Engenheiros Aroeira e Manoel Pereira, pelo fato de haverem percorrido juntos as duas estradas que se disputam a preferência. Não refutaremos essas parvas alusões, porque elas se acham refutadas pelo contraste de caráter que há entre o agressor e os agredidos.
Escrevendo este artigo, só temos em vista informar o público da pertinácia com que se pretende ainda demorar a solução da mais célebre questão que nesse gênero tem aparecido, e que o mesmo público aguarda com interesse. Certo o mesmo Gabriel de que o engenheiro Aroeira não fora fascinado pelo melodiano canto das sereias bípedes, a quem fora por ele apresentado, com a mesma facilidade com que o Sr. Domonte se fascinara pelas sereias quadrúpedes, e nem tão pouco a riqueza e magnificência do palácio em que fora hospedado lhe haviam ofuscado a vista e transviado a razão para não distinguir o superior do péssimo, partiu imediatamente para o Rio de Janeiro para informar ao tio doutor desse raro e espantoso fenômeno!
Dias depois seguia ele a caminho de Ouro Preto munido de cartas de empenho para que o presidente de Minas não desse crédito às informações do engenheiro Aroeira, visto como, tinha ele feito os exames das estradas em questão em companhia de Manoel Pereira! Esquecia-se o menino que tinha ido debaixo de chuva, por caminho quase intransitável por causa da enchente do Rio Preto, encontrar o mesmo engenheiro, obsequiá-lo acompanhando-o no dia seguinte até a fazenda Santa Clara, aonde pernoitaram sem que esse fato inspirasse o menor receio a ninguém, tanto a respeito do caráter do hospedante, como da honradez do hospedado.
Esquecia-se ainda que dias antes o Sr. Albergaria, encarregado pelo governo de examinar de passagem a questão, viajara com seu tio, que também o fora encontrar na vila do Rio Preto e recebera dele uma besta de sela; fora acompanhado de José Theodoro Rodrigues e Joaquim Pereira, percorrer parte da estrada do Boqueirão, sem que ninguém suspeitasse ou suspeite da honradez e caráter sério do Sr. Albergaria por ter recebido um mimo do Sr. Carlos Theodoro, fazer o exame acompanhado por dois homens capazes de prestar-se a ações e atos indignos. Continuemos. Além das cartas de empenho, o menino fora autorizado para oferecer gratuitamente ao governo a estrada que seu tio já havia oferecido na administração do Sr. Conselheiro Carneiro de Campos, e fora por ele aceita essa oferta mentirosa! Agora, porém, redobravam as condições vantajosas da oferta, cresciam os sacrifícios patrióticos e aumentaram rasgos de generosidade em favor do público e dos cofres provinciais! Que raro exemplo de patriotismo (digno de ser imitado) praticado repetidas vezes pelo homem que antes de aparecer a idéia desta estrada nunca os praticara para tornar o seu nome conhecido! Quem diria que a estrada do Bom Jardim havia despertar no coração de homens tão excêntricos o fogo de um entusiasmo tão patriótico a favor de melhoramentos de que tanto carecemos?! O que, porém, se não conforma com isso tudo é acharem-se duas pontes fechadas sobre o Rio Preto, sem que o público possa gozar dos excelentes caminhos, de que nos fala o menino em seu artigo, que atravessam as fazendas dos Srs. Fortes, que, segundo ele diz, sempre estiveram francos a todos! E os ferrolhos? Ah! É para que o público não vá dar uma volta sem conhecimento de causa! Está explicado! Muito bem! Continuemos. Além das cartas de empenho, repetição de ofertas gratuitas, etc, o menino teve ordem expressa do tio para que dissesse a todas as pessoas com quem falasse o seguinte: - Manoel Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de dívidas, está desgraçado! - Esta linguagem, como meio muito honesto e honroso do nosso herói para atravancar a estrada que o incomoda, não é nova, ela é irmã gêmea da mesma estrada, ou mais antiga por outros motivos mais sérios e graves.
Com efeito, o nosso menino como sempre, nunca se esqueceu da fórmula recomendada, a qual já tanto se acostumou, que repetia a um mesmo indivíduo três a quatro vezes para o tornar bem ciente dessa circunstância importante para a causa de seu tio. E nós que desejamos auxiliá-lo nessa tarefa nobre, assim como em todas dessa ordem, autorizados pelo Sr. Manoel Pereira, declaramos que talvez seja essa a única verdade de que ele se serve para o triunfo de sua causa; mas asseguramo-lhes também que ainda essa circunstância não atravancará a estrada do Bom Jardim, ela continuará a melhorar-se todos os dias, a conservar-se constantemente, muito embora produzam as cartas de empenho e a nova oferta o efeito desejado.
Desse modo fica dispensado o menino Gabriel de continuar com a sua árdua tarefa, porque, nós o repetimos: - Manoel Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de credores; está desgraçado! Mas a estrada do Bom Jardim continua e continuará!
Duas palavras mais para descrever o menino Gabriel.
Este herói, para ser conhecido o caráter, basta vê-lo, ouvi-lo e cheirá-lo. Visto, é um alfaiate de Paris! Ouvido, é o símbolo do pedantismo! Cheirado, é um vidro de almíscar ou patchuli! Mas como nem todos o vêm, nem todos o ouvem e nem todos o cheiram, vamos cantá-lo em verso, porque em prosa está cantado.
I
Quando vires, leitor,
Menino magro e comprido
Trajando mui presumido,
Terás um certo doutor,
Formado para o amor.
Nunca para questões sérias,
Porque as suas misérias
Tornariam-se patentes
Desenganando as gentes
De seu saber em matérias.
II
Foi bonito, é bem feito,
Corpinho bastante esguio,
Não se parece com o tio;
Espicha a perna, anda direito,
Em namorar é perfeito;
Promove suas conquistas,
Mostrando aparentes vistas
De no futuro casar
Com aquelas que enganar
Com promessas já previstas!
III
Com luvas pretas calçando
Vê-lo-ás a toda a hora,
Calça estas as tira fora,
Sempre de cor variando,
E os gaiatos zombando
Do boneco perfumado:
Ande eu bem enfeitado
À custa de meus parentes,
Diz ele mostrando os dentes,
Embora seja zombado.
IV
Meu solar é em Lisboa,
Diz ele sério falando,
Embora esteja eu andando
Por essa terra à toa
Eu tenho nome na história,
Desses feitos de glória
De minhas antepassadas,
De lauréolas coroadas
Por mais de uma vitória.
V
Circula em minhas veias
Régio sangue puro e nobre,
Muito embora eu seja pobre,
Tenho solar com ameias;
Estou livre das cadeias,
Castigo dos plebeus,
Muito embora sejam meus,
Desprezo essa canalha,
Oriundos de gentalha,
Vil raça de pigmeus.
VI
Gasto dinheiro a granel,
Disse mal, eu não sou pobre,
Por ordem do tio nobre
Que guerreia o Manoel,
Propago certo aranzel
Para chegar ao meu fim;
Todos acreditam sim
Não continuar a guerra,
Pois gastou tudo na terra
Da estrada do Bom Jardim.
VII
Petit maître singular
Serei da história moderna,
Enteso bem minha perna,
Contradanço, sei bailar,
Farto a todos de cheirar
As minhas perfumarias,
Que enjoam por muitos dias
Quem tiver de as aturar,
Dou-me em tudo a revelar,
Até nas minhas manias.
VIII
Aqui tens, caro leitor,
O retrato lindo e fiel
Do menino Gabriel
Apelidado doutor;
Sinto, porém, certa dor
Que, sendo ele togado,
Seja só advogado
No distrito da relação,
Que lhe negou permissão
De ser nunca magistrado!
IX
É mentira, ele dirá
Quando ler este jornal,
Sou juiz municipal
Por um régio alvará;
Bem caro me pagará
O poeta desprezível
Que, reduzindo-me ao nível
Da mais simples expressão,
Feriu o meu coração
Na fibra a mais sensível.
(ass.) Pois não! Que esperança!
Correio Mercantil – 28 de abril de 1862
Gabrieladas
Continuemos a cantar em verso o menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluira na Universidade de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé, que por onde passava queimava, quando não chamuscava.
Cantemos o desditoso e infeliz pai da infeliz Eliza.
I
Passo uma vida feliz
Devido a duas questões
Gasto dinheiro aos milhões,
Sem olhar para o que se diz.
Minha tia nunca quis
Em tais questões figurar,
E muito menos gastar
O dinheiro que seu esposo,
Levando vida sem gozo,
Custara tanto a ganhar.
II
Eu, porém, que sei falar
Linguagem mui sedutora,
Engano a pobre senhora
Para dinheiro me dar;
Rio-me do seu chorar
Quando ela diz, meu sobrinho
Poupa esse dinheirinho
Que tanto custou juntar,
À força de mal passar,
A teu tio, coitadinho.
III
Acredite, minha tia,
Seu conselho seguirei;
Jamais nunca gastaria
Com bazofia ou bizarria.
Nunca mais esqueceria
Essa lembrança da história
Que faz a nossa glória
O nome de Thereziano,
E o de José Floriano,
De mui saudosa memória.
IV
Sei da história desgraçada
Deste último, tio meu,
Que na indigência morreu,
Não herdando de nós nada;
A família malfadada
Sofre demais a opressão
Que contrista o coração
Do ente o menos sensível,
Mas é vontade invencível
Do tio Dr. Zangão.
V
Portanto não gastarei
Sem motivo justo e nobre
O dinheiro que ao pobre
Ele e não eu roubei
Brevemente voltarei
Desta viagem ligeira,
Darei conta verdadeira
À minha boa madrinha,
Que verá da conta minha
Não ter gasto em bandalheira.
VI
Sigo então para Minas
Com ricos pagens fardados,
Quase como eu perfumados,
A conquistar as meninas
A quem repito mofinas
Até fazê-las ceder;
E depois venho dizer:
Minha tia, mais dinheiro,
Que o remendão carpinteiro
Pretende a questão vencer.
VII
Que vergonha minha tia,
Se tal coisa acontecer!
Tio doutor há de morrer
De paixão no outro dia:
Quem tal coisa pensaria
Depois de trabalhos tantos
De festas feitas aos santos,
Presentes à Albergaria,
Eu sempre de romaria
Sofrendo trabalhos quantos!
VIII
Eis que a pobre velhinha,
Por tais razões convencida,
Restando-lhe pouca vida,
Preenche a vontade minha,
Lastimando coitadinha
Por acreditar em mim;
Digo não há coisa assim
Como as duas questões:
Os Fortes fracos ladrões,
E a estrada do Bom Jardim.
IX
Que trabalhos, minha tia,
Sofri eu, passando mal
No Supremo Tribunal
E Relação da Bahia!
De noite nunca dormia
Pensando nestas questões,
Procurava distrações
Com medo de enlouquecer,
Promovendo assim vencer
Os Fortes fracos ladrões.
X
Sinto, porém, um pesar
Que me oprime o coração,
É que, finda esta questão,
Nesta cena singular,
Onde hei representado
Com caráter de honrado
O mais brilhante papel,
Passando por bacharel
Na velha Coimbra formado.
XI
Sinto mais ser divulgado
Por um moderno jornal
Segredo que em Portugal
Eu deixei recomendado;
Quis a morte, quer o fado
Que eu seja muito infeliz,
Suportando o que se diz
De minhas vadiações
Lá na terra de Camões,
Onde estudar nunca quis.
XII
Morreu a pobre Elizinha
De uma desgraça fatal,
Podendo de Portugal
Vir um dia a ser rainha;
Bastava se filha minha,
Que tenho sangue real,
Fosse embora bem ou mal
Essa menina arranjada
Com fidalga ou criada,
Ninguém sabia de tal.
(ass.) – O Rodim Rio-Pretano
Correio Mercantil – 6 de junho de 1862
I
Desculpa leitor amigo
Esta minha versalhada,
Sem medida e mal rimada
Que é esta a regra que sigo,
Desde tempo mui antigo
Conheço certas questões
Que só em versos ratões
Devem hoje ser cantadas,
Hoje queremos estradas
E não fechados portões.
II
Derrubem-se os mandões
Ridicularizem-se os tais,
Que sem menos nem mais
Vedam públicas servidões;
Complicam as questões,
Tudo oferecem sem cumprir;
Não se fartam de mentir,
E o público a sofrer
Dando voltas de morrer
E há de calar e ouvir?! Não.
(do autor)
Gabrieladas
I
A Câmara Municipal
Desta nossa pobre vila
Embirrou, tomou quizila,
De nossa estrada fatal;
Procura-lhe fazer mal
Votando indicações
Pra que se abram portões
Que nunca deram caminho,
A um célebre homenzinho
Que insulta nossos brasões.
II
Esse mal eu já previa
Na passada eleição
Por isso de coração
Pedi muito a minha tia,
A ver se ela gostaria
Para eu sair presidente
Da Câmara com a minha gente;
Mas ela não quis assim
E o ingrato Bom Jardim
Fez-me ficar suplente.
III
Dos honrados suplentes
Presidente fiquei sendo,
E tão duro osso roendo
Com meus prateados dentes;
Combinei com meus parentes
Anular tal eleição,
Incumbindo-se o Zangão
De trapacear e mentir,
Até o poder conseguir
Dos poderes da nação.
IV
Depois de muito esperar,
De dois anos ter passado,
Vai o conselho de estado
Dá-me um cheque de matar!
Apeou-me do lugar
Na ordem da votação,
Sustentando a eleição
Do ingrato Bom Jardim
Que não quis votar em mim
Por causa do Boqueirão.
V
Passar por tal decepção
Depois de tantos trabalhos,
Antes bater com dois malhos
Na cabeça do Zangão;
Cortar-lhe mesmo o ferrão
E por-lhe o corpo a tinir,
Já que não soube zumbir
Para produzir efeito;
Zumbir a torto e a direito,
Não presta para mentir.
VI
Triste foi a decisão,
Cruel o meu padecer;
Antes queria morrer
Na pessoa do Zangão.
Dar gostos ao remendão
E a roda municipal
Foi desgraça sem igual
Para mim e meus parentes,
Que passados e presentes
Lastimamos este mal.
VII
Que me resta? Paciência.
A custo mostrar os dentes,
Já que até dos suplentes
Tiraram-me a presidência!
Alegre na aparência,
Vingança no coração,
Esperar a eleição,
Vencer a ferro e a fogo,
Mostrando assim ao povo
Que fortes os Fortes são!
VIII
Que nos resta? Suportar
Ainda por mais dois anos
O capricho dos tiranos,
Dessa câmara popular
Que não cessa de embirrar
Contra a nossa pretensão
De acabar com o Boqueirão,
Cortando pontas e serras
Para defender as terras
Do tio Doutor Zangão.
IX
Continue, não importa
A Câmara a representar
Ao Governo sem parar,
Que tal estrada está morta;
Ou seja direita ou torta
Essa por nós oferecida,
Ela será preferida
Pois temos muito dinheiro,
Não haverá engenheiro
Que contra nós se decida.
X
Mas se acaso algum turrão
Embirrar com a nossa estrada
Por não ter sido traçada
Com declive muito bom,
Responderemos então
Pela seguinte maneira
- A serra da Mantiqueira
Que nos opõe embaraços
Vai ceder a Fortes braços
Ainda que Deus não queira.
XI
Que! Atravessar uma estrada
Por meio de nossas terras
Perfurem-se montes e serras
Reduza-se tudo a nada;
Nossa justa pretensão
Entupir o Boqueirão.
Arrasando a Mantiqueira
É esperança lisonjeira
Do tio Dr. Zangão.
XII
Não olhemos a despesa
No custo de nossa estrada
Fique, pois, bem acabada
Essa magna empresa;
Imite-se a natureza
Com um outro boqueirão,
Mas feito em tal direção
No atravessar a serra
Que não vá cortar a terra
Do tio Dr. Zangão.
XIII
Arrasar a Mantiqueira
Para passar nossa estrada,
Custará pouco ou nada,
Será mesmo outra ligeira;
Ainda sendo a primeira
Em gênero e construção,
Elegância e perfeição,
Que perpetue na história
Um tal feito de glória
Do tio Dr. Zangão.
XIV
Perfure-se essa montanha,
Conste da história dos fatos
Célebres como o do Athos,
Hum, de glória tamanha!
Não foi maior a façanha
Desse antigo guerreiro
Por ter sido o primeiro
Que citou a natureza (1)
Para ceder com presteza
A seu poder e dinheiro.
XV
Imitemos o guerreiro
Que intimou o monte Athos
Não impedisse os atos
Dos monarcas o primeiro,
Do contrário iria inteiro
Entupir o oceano
Por ordem do soberano,
Que não poderia sofrer
Resistisse a seu querer
O soberbo monte ufano.
XVI
Perfurar a Mantiqueira
Aos Fortes será possível,
Reduzi-la mesmo a nível
Ainda que Deus não queira!
Desmentir ao Aroeira
E sua informação
Acerca do Boqueirão,
É dos Fortes um dever,
Para o mundo conhecer
A sua forte razão.
XVII
Entupir o boqueirão
Arrasando a Mantiqueira
A picão e cavadeira
A cavadeira e picão
Foi lembrança do Zangão
Foi lembrança lisonjeira
Ainda que Deus não queira
Disse ele estando a tossir
Por força hei de conseguir
Arrasar a Mantiqueira.
(ass.) O Menino
(1) Xerxes tendo perdido grande parte do seu exército na passagem difícil do monte Athos, deu ordem para que fosse perfurado, escrevendo-lhe ao mesmo tempo uma carta que lhe dizia que não se opusesse a sua resolução, do contrário o mandaria lançar no oceano.
A resposta do monte a tal intimação não é conhecida; talvez agora se encontra nas entranhas da serra, que vai ser perfurada com o mesmo fundamento. Se assim acontecer, que achado para a história!
Correio Mercantil – 12 de outubro de 1862.
N.B. – Existe uma quantidade grande de artigos, choradas em versos e mofinas, referentes a esta questão desde 1856.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Antônio José de Freitas
A Estrada do Bom Jardim e
o Menino Gabriel.
( cedido por Rodrigo
Fortes).
Quando todos cuidaram que esta
grande via de comunicação, a mais importante para os municípios de maior
produção do sul de Minas, estaria livre e desassombrada da guerra que há seis
anos lhe move o capricho de uma célebre; quando ninguém supunha que essa guerra
reaparecesse em vista do fato incontestável de fazer-se por esta todo o
trânsito que de outrora pelas estradas do Chora e Santa Rita de Jacutinga se
fazia; quando finalmente, essa estrada e sua direção, ultimamente examinada por
dois engenheiros distintos, foi por eles julgadas as de melhores condições não
só para rodagem de primeira classe, como para uma via férrea de declividade
nunca excedente a 1 ½ %; eis que aparece nas colunas do Correio Mercantil de 28
de março último, oculto como sempre, o menino que compõe a epígrafe deste
artigo, dirigindo chalaças e delusões indiscretas, ou melhor, estúpidas, aos
Srs. Engenheiros Aroeira e Manoel Pereira, pelo fato de haverem percorrido
juntos as duas estradas que se disputam a preferência. Não refutaremos essas
parvas alusões, porque elas se acham refutadas pelo contraste de caráter que há
entre o agressor e os agredidos.
Escrevendo este artigo, só temos em
vista informar o público da pertinácia com que se pretende ainda demorar a
solução da mais célebre questão que nesse gênero tem aparecido, e que o mesmo
público aguarda com interesse. Certo o mesmo Gabriel de que o engenheiro
Aroeira não fora fascinado pelo melodiano canto das sereias bípedes, a quem
fora por ele apresentado, com a mesma facilidade com que o Sr. Domonte se
fascinara pelas sereias quadrúpedes, e nem tão pouco a riqueza e magnificência
do palácio em que fora hospedado lhe haviam ofuscado a vista e transviado a
razão para não distinguir o superior do péssimo, partiu imediatamente para o
Rio de Janeiro para informar ao tio doutor desse raro e espantoso fenômeno!
Dias depois seguia ele a caminho de
Ouro Preto munido de cartas de empenho para que o presidente de Minas não desse
crédito às informações do engenheiro Aroeira, visto como, tinha ele feito os
exames das estradas em questão em companhia de Manoel Pereira! Esquecia-se o
menino que tinha ido debaixo de chuva, por caminho quase intransitável por
causa da enchente do Rio Preto, encontrar o mesmo engenheiro, obsequiá-lo
acompanhando-o no dia seguinte até a fazenda Santa Clara, aonde pernoitaram sem
que esse fato inspirasse o menor receio a ninguém, tanto a respeito do caráter
do hospedante, como da honradez do hospedado.
Esquecia-se ainda que dias antes o
Sr. Albergaria, encarregado pelo governo de examinar de passagem a questão,
viajara com seu tio, que também o fora encontrar na vila do Rio Preto e
recebera dele uma besta de sela; fora acompanhado de José Theodoro Rodrigues e
Joaquim Pereira, percorrer parte da estrada do Boqueirão, sem que ninguém
suspeitasse ou suspeite da honradez e caráter sério do Sr. Albergaria por ter
recebido um mimo do Sr. Carlos Theodoro, fazer o exame acompanhado por dois
homens capazes de prestar-se a ações e atos indignos. Continuemos. Além das
cartas de empenho, o menino fora autorizado para oferecer gratuitamente ao
governo a estrada que seu tio já havia oferecido na administração do Sr.
Conselheiro Carneiro de Campos, e fora por ele aceita essa oferta mentirosa! Agora,
porém, redobravam as condições vantajosas da oferta, cresciam os sacrifícios
patrióticos e aumentaram rasgos de generosidade em favor do público e dos
cofres provinciais! Que raro exemplo de patriotismo (digno de ser imitado)
praticado repetidas vezes pelo homem que antes de aparecer a idéia desta
estrada nunca os praticara para tornar o seu nome conhecido! Quem diria que a
estrada do Bom Jardim havia despertar no coração de homens tão excêntricos o
fogo de um entusiasmo tão patriótico a favor de melhoramentos de que tanto
carecemos?! O que, porém, se não conforma com isso tudo é acharem-se duas
pontes fechadas sobre o Rio Preto, sem que o público possa gozar dos excelentes
caminhos, de que nos fala o menino em seu artigo, que atravessam as fazendas dos
Srs. Fortes, que, segundo ele diz, sempre estiveram francos a todos! E os
ferrolhos? Ah! É para que o público não vá dar uma volta sem conhecimento de
causa! Está explicado! Muito bem! Continuemos. Além das cartas de empenho,
repetição de ofertas gratuitas, etc, o menino teve ordem expressa do tio para
que dissesse a todas as pessoas com quem falasse o seguinte: - Manoel Pereira
não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de dívidas,
está desgraçado! - Esta linguagem, como meio muito honesto e honroso do nosso
herói para atravancar a estrada que o incomoda, não é nova, ela é irmã gêmea da
mesma estrada, ou mais antiga por outros motivos mais sérios e graves.
Com efeito, o nosso menino como
sempre, nunca se esqueceu da fórmula recomendada, a qual já tanto se acostumou,
que repetia a um mesmo indivíduo três a quatro vezes para o tornar bem ciente
dessa circunstância importante para a causa de seu tio. E nós que desejamos
auxiliá-lo nessa tarefa nobre, assim como em todas dessa ordem, autorizados
pelo Sr. Manoel Pereira, declaramos que talvez seja essa a única verdade de que
ele se serve para o triunfo de sua causa; mas asseguramo-lhes também que ainda
essa circunstância não atravancará a estrada do Bom Jardim, ela continuará a
melhorar-se todos os dias, a conservar-se constantemente, muito embora produzam
as cartas de empenho e a nova oferta o efeito desejado.
Desse modo fica dispensado o menino
Gabriel de continuar com a sua árdua tarefa, porque, nós o repetimos: - Manoel
Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de
credores; está desgraçado! Mas a estrada do Bom Jardim continua e continuará!
Duas palavras mais para descrever o
menino Gabriel.
Este herói, para ser conhecido o
caráter, basta vê-lo, ouvi-lo e cheirá-lo. Visto, é um alfaiate de Paris!
Ouvido, é o símbolo do pedantismo! Cheirado, é um vidro de almíscar ou
patchuli! Mas como nem todos o vêm, nem todos o ouvem e nem todos o cheiram,
vamos cantá-lo em verso, porque em prosa está cantado.
I
Quando vires, leitor,
Menino magro e comprido
Trajando mui presumido,
Terás um certo doutor,
Formado para o amor.
Nunca para questões sérias,
Porque as suas misérias
Tornariam-se patentes
Desenganando as gentes
De seu saber em matérias.
II
Foi bonito, é bem feito,
Corpinho bastante esguio,
Não se parece com o tio;
Espicha a perna, anda direito,
Em namorar é perfeito;
Promove suas conquistas,
Mostrando aparentes vistas
De no futuro casar
Com aquelas que enganar
Com promessas já previstas!
III
Com luvas pretas calçando
Vê-lo-ás a toda a hora,
Calça estas as tira fora,
Sempre de cor variando,
E os gaiatos zombando
Do boneco perfumado:
Ande eu bem enfeitado
À custa de meus parentes,
Diz ele mostrando os dentes,
Embora seja zombado.
IV
Meu solar é em Lisboa,
Diz ele sério falando,
Embora esteja eu andando
Por essa terra à toa
Eu tenho nome na história,
Desses feitos de glória
De minhas antepassadas,
De lauréolas coroadas
Por mais de uma vitória.
V
Circula em minhas veias
Régio sangue puro e nobre,
Muito embora eu seja pobre,
Tenho solar com ameias;
Estou livre das cadeias,
Castigo dos plebeus,
Muito embora sejam meus,
Desprezo essa canalha,
Oriundos de gentalha,
Vil raça de pigmeus.
VI
Gasto dinheiro a granel,
Disse mal, eu não sou pobre,
Por ordem do tio nobre
Que guerreia o Manoel,
Propago certo aranzel
Para chegar ao meu fim;
Todos acreditam sim
Não continuar a guerra,
Pois gastou tudo na terra
Da estrada do Bom Jardim.
VII
Petit maître singular
Serei da história moderna,
Enteso bem minha perna,
Contradanço, sei bailar,
Farto a todos de cheirar
As minhas perfumarias,
Que enjoam por muitos dias
Quem tiver de as aturar,
Dou-me em tudo a revelar,
Até nas minhas manias.
VIII
Aqui tens, caro leitor,
O retrato lindo e fiel
Do menino Gabriel
Apelidado doutor;
Sinto, porém, certa dor
Que, sendo ele togado,
Seja só advogado
No distrito da relação,
Que lhe negou permissão
De ser nunca magistrado!
IX
É mentira, ele dirá
Quando ler este jornal,
Sou juiz municipal
Por um régio alvará;
Bem caro me pagará
O poeta desprezível
Que, reduzindo-me ao nível
Da mais simples expressão,
Feriu o meu coração
Na fibra a mais sensível.
(ass.) Pois não! Que esperança!
Correio Mercantil – 28 de abril de 1862
Gabrieladas
Continuemos a cantar em verso o
menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o
correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no
dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os
jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das
Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluira na Universidade
de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do
fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a
conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe
que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé,
que por onde passava queimava, quando não chamuscava.
Cantemos o desditoso e infeliz pai
da infeliz Eliza.
I
Passo uma vida feliz
Devido a duas questões
Gasto dinheiro aos milhões,
Sem olhar para o que se diz.
Minha tia nunca quis
Em tais questões figurar,
E muito menos gastar
O dinheiro que seu esposo,
Levando vida sem gozo,
Custara tanto a ganhar.
II
Eu, porém, que sei falar
Linguagem mui sedutora,
Engano a pobre senhora
Para dinheiro me dar;
Rio-me do seu chorar
Quando ela diz, meu sobrinho
Poupa esse dinheirinho
Que tanto custou juntar,
À força de mal passar,
A teu tio, coitadinho.
III
Acredite, minha tia,
Seu conselho seguirei;
Jamais nunca gastaria
Com bazofia ou bizarria.
Nunca mais esqueceria
Essa lembrança da história
Que faz a nossa glória
O nome de Thereziano,
E o de José Floriano,
De mui saudosa memória.
IV
Sei da história desgraçada
Deste último, tio meu,
Que na indigência morreu,
Não herdando de nós nada;
A família malfadada
Sofre demais a opressão
Que contrista o coração
Do ente o menos sensível,
Mas é vontade invencível
Do tio Dr. Zangão.
V
Portanto não gastarei
Sem motivo justo e nobre
O dinheiro que ao pobre
Ele e não eu roubei
Brevemente voltarei
Desta viagem ligeira,
Darei conta verdadeira
À minha boa madrinha,
Que verá da conta minha
Não ter gasto em bandalheira.
VI
Sigo então para Minas
Com ricos pagens fardados,
Quase como eu perfumados,
A conquistar as meninas
A quem repito mofinas
Até fazê-las ceder;
E depois venho dizer:
Minha tia, mais dinheiro,
Que o remendão carpinteiro
Pretende a questão vencer.
VII
Que vergonha minha tia,
Se tal coisa acontecer!
Tio doutor há de morrer
De paixão no outro dia:
Quem tal coisa pensaria
Depois de trabalhos tantos
De festas feitas aos santos,
Presentes à Albergaria,
Eu sempre de romaria
Sofrendo trabalhos quantos!
VIII
Eis que a pobre velhinha,
Por tais razões convencida,
Restando-lhe pouca vida,
Preenche a vontade minha,
Lastimando coitadinha
Por acreditar em mim;
Digo não há coisa assim
Como as duas questões:
Os Fortes fracos ladrões,
E a estrada do Bom Jardim.
IX
Que trabalhos, minha tia,
Sofri eu, passando mal
No Supremo Tribunal
E Relação da Bahia!
De noite nunca dormia
Pensando nestas questões,
Procurava distrações
Com medo de enlouquecer,
Promovendo assim vencer
Os Fortes fracos ladrões.
X
Sinto, porém, um pesar
Que me oprime o coração,
É que, finda esta questão,
Nesta cena singular,
Onde hei representado
Com caráter de honrado
O mais brilhante papel,
Passando por bacharel
Na velha Coimbra formado.
XI
Sinto mais ser divulgado
Por um moderno jornal
Segredo que em Portugal
Eu deixei recomendado;
Quis a morte, quer o fado
Que eu seja muito infeliz,
Suportando o que se diz
De minhas vadiações
Lá na terra de Camões,
Onde estudar nunca quis.
XII
Morreu a pobre Elizinha
De uma desgraça fatal,
Podendo de Portugal
Vir um dia a ser rainha;
Bastava se filha minha,
Que tenho sangue real,
Fosse embora bem ou mal
Essa menina arranjada
Com fidalga ou criada,
Ninguém sabia de tal.
(ass.) – O Rodim Rio-Pretano
Correio Mercantil – 6 de junho de 1862
I
Desculpa leitor amigo
Esta minha versalhada,
Sem medida e mal rimada
Que é esta a regra que sigo,
Desde tempo mui antigo
Conheço certas questões
Que só em versos ratões
Devem hoje ser cantadas,
Hoje queremos estradas
E não fechados portões.
II
Derrubem-se os mandões
Ridicularizem-se os tais,
Que sem menos nem mais
Vedam públicas servidões;
Complicam as questões,
Tudo oferecem sem cumprir;
Não se fartam de mentir,
E o público a sofrer
Dando voltas de morrer
E há de calar e ouvir?! Não.
(do
autor)
Gabrieladas
I
A Câmara Municipal
Desta nossa pobre vila
Embirrou, tomou quizila,
De nossa estrada fatal;
Procura-lhe fazer mal
Votando indicações
Pra que se abram portões
Que nunca deram caminho,
A um célebre homenzinho
Que insulta nossos brasões.
II
Esse mal eu já previa
Na passada eleição
Por isso de coração
Pedi muito a minha tia,
A ver se ela gostaria
Para eu sair presidente
Da Câmara com a minha gente;
Mas ela não quis assim
E o ingrato Bom Jardim
Fez-me ficar suplente.
III
Dos honrados suplentes
Presidente fiquei sendo,
E tão duro osso roendo
Com meus prateados dentes;
Combinei com meus parentes
Anular tal eleição,
Incumbindo-se o Zangão
De trapacear e mentir,
Até o poder conseguir
Dos poderes da nação.
IV
Depois de muito esperar,
De dois anos ter passado,
Vai o conselho de estado
Dá-me um cheque de matar!
Apeou-me do lugar
Na ordem da votação,
Sustentando a eleição
Do ingrato Bom Jardim
Que não quis votar em mim
Por causa do Boqueirão.
V
Passar por tal decepção
Depois de tantos trabalhos,
Antes bater com dois malhos
Na cabeça do Zangão;
Cortar-lhe mesmo o ferrão
E por-lhe o corpo a tinir,
Já que não soube zumbir
Para produzir efeito;
Zumbir a torto e a direito,
Não presta para mentir.
VI
Triste foi a decisão,
Cruel o meu padecer;
Antes queria morrer
Na pessoa do Zangão.
Dar gostos ao remendão
E a roda municipal
Foi desgraça sem igual
Para mim e meus parentes,
Que passados e presentes
Lastimamos este mal.
VII
Que me resta? Paciência.
A custo mostrar os dentes,
Já que até dos suplentes
Tiraram-me a presidência!
Alegre na aparência,
Vingança no coração,
Esperar a eleição,
Vencer a ferro e a fogo,
Mostrando assim ao povo
Que fortes os Fortes são!
VIII
Que nos resta? Suportar
Ainda por mais dois anos
O capricho dos tiranos,
Dessa câmara popular
Que não cessa de embirrar
Contra a nossa pretensão
De acabar com o Boqueirão,
Cortando pontas e serras
Para defender as terras
Do tio Doutor Zangão.
IX
Continue, não importa
A Câmara a representar
Ao Governo sem parar,
Que tal estrada está morta;
Ou seja direita ou torta
Essa por nós oferecida,
Ela será preferida
Pois temos muito dinheiro,
Não haverá engenheiro
Que contra nós se decida.
X
Mas se acaso algum turrão
Embirrar com a nossa estrada
Por não ter sido traçada
Com declive muito bom,
Responderemos então
Pela seguinte maneira
- A serra da Mantiqueira
Que nos opõe embaraços
Vai ceder a Fortes braços
Ainda que Deus não queira.
XI
Que! Atravessar uma estrada
Por meio de nossas terras
Perfurem-se montes e serras
Reduza-se tudo a nada;
Nossa justa pretensão
Entupir o Boqueirão.
Arrasando a Mantiqueira
É esperança lisonjeira
Do tio Dr. Zangão.
XII
Não olhemos a despesa
No custo de nossa estrada
Fique, pois, bem acabada
Essa magna empresa;
Imite-se a natureza
Com um outro boqueirão,
Mas feito em tal direção
No atravessar a serra
Que não vá cortar a terra
Do tio Dr. Zangão.
XIII
Arrasar a Mantiqueira
Para passar nossa estrada,
Custará pouco ou nada,
Será mesmo outra ligeira;
Ainda sendo a primeira
Em gênero e construção,
Elegância e perfeição,
Que perpetue na história
Um tal feito de glória
Do tio Dr. Zangão.
XIV
Perfure-se essa montanha,
Conste da história dos fatos
Célebres como o do Athos,
Hum, de glória tamanha!
Não foi maior a façanha
Desse antigo guerreiro
Por ter sido o primeiro
Que citou a natureza (1)
Para ceder com presteza
A seu poder e dinheiro.
XV
Imitemos o guerreiro
Que intimou o monte Athos
Não impedisse os atos
Dos monarcas o primeiro,
Do contrário iria inteiro
Entupir o oceano
Por ordem do soberano,
Que não poderia sofrer
Resistisse a seu querer
O soberbo monte ufano.
XVI
Perfurar a Mantiqueira
Aos Fortes será possível,
Reduzi-la mesmo a nível
Ainda que Deus não queira!
Desmentir ao Aroeira
E sua informação
Acerca do Boqueirão,
É dos Fortes um dever,
Para o mundo conhecer
A sua forte razão.
XVII
Entupir o boqueirão
Arrasando a Mantiqueira
A picão e cavadeira
A cavadeira e picão
Foi lembrança do Zangão
Foi lembrança lisonjeira
Ainda que Deus não queira
Disse ele estando a tossir
Por força hei de conseguir
Arrasar a Mantiqueira.
(ass.) O Menino
(1) Xerxes tendo perdido grande parte do
seu exército na passagem difícil do monte Athos, deu ordem para que fosse
perfurado, escrevendo-lhe ao mesmo tempo uma carta que lhe dizia que não se
opusesse a sua resolução, do contrário o mandaria lançar no oceano.
A resposta do monte a tal intimação não
é conhecida; talvez agora se encontra nas entranhas da serra, que vai ser
perfurada com o mesmo fundamento. Se assim acontecer, que achado para a
história!
Correio Mercantil – 12 de outubro de
1862.
N.B.
– Existe uma quantidade grande de artigos, choradas em versos e mofinas,
referentes a esta questão desde 1856.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Antônio José de Freitas
A Estrada do Bom Jardim e
o Menino Gabriel.
( cedido por Rodrigo
Fortes).
Quando todos cuidaram que esta
grande via de comunicação, a mais importante para os municípios de maior
produção do sul de Minas, estaria livre e desassombrada da guerra que há seis
anos lhe move o capricho de uma célebre; quando ninguém supunha que essa guerra
reaparecesse em vista do fato incontestável de fazer-se por esta todo o
trânsito que de outrora pelas estradas do Chora e Santa Rita de Jacutinga se
fazia; quando finalmente, essa estrada e sua direção, ultimamente examinada por
dois engenheiros distintos, foi por eles julgadas as de melhores condições não
só para rodagem de primeira classe, como para uma via férrea de declividade
nunca excedente a 1 ½ %; eis que aparece nas colunas do Correio Mercantil de 28
de março último, oculto como sempre, o menino que compõe a epígrafe deste
artigo, dirigindo chalaças e delusões indiscretas, ou melhor, estúpidas, aos
Srs. Engenheiros Aroeira e Manoel Pereira, pelo fato de haverem percorrido
juntos as duas estradas que se disputam a preferência. Não refutaremos essas
parvas alusões, porque elas se acham refutadas pelo contraste de caráter que há
entre o agressor e os agredidos.
Escrevendo este artigo, só temos em
vista informar o público da pertinácia com que se pretende ainda demorar a
solução da mais célebre questão que nesse gênero tem aparecido, e que o mesmo
público aguarda com interesse. Certo o mesmo Gabriel de que o engenheiro
Aroeira não fora fascinado pelo melodiano canto das sereias bípedes, a quem
fora por ele apresentado, com a mesma facilidade com que o Sr. Domonte se
fascinara pelas sereias quadrúpedes, e nem tão pouco a riqueza e magnificência
do palácio em que fora hospedado lhe haviam ofuscado a vista e transviado a
razão para não distinguir o superior do péssimo, partiu imediatamente para o
Rio de Janeiro para informar ao tio doutor desse raro e espantoso fenômeno!
Dias depois seguia ele a caminho de
Ouro Preto munido de cartas de empenho para que o presidente de Minas não desse
crédito às informações do engenheiro Aroeira, visto como, tinha ele feito os
exames das estradas em questão em companhia de Manoel Pereira! Esquecia-se o
menino que tinha ido debaixo de chuva, por caminho quase intransitável por
causa da enchente do Rio Preto, encontrar o mesmo engenheiro, obsequiá-lo
acompanhando-o no dia seguinte até a fazenda Santa Clara, aonde pernoitaram sem
que esse fato inspirasse o menor receio a ninguém, tanto a respeito do caráter
do hospedante, como da honradez do hospedado.
Esquecia-se ainda que dias antes o
Sr. Albergaria, encarregado pelo governo de examinar de passagem a questão,
viajara com seu tio, que também o fora encontrar na vila do Rio Preto e
recebera dele uma besta de sela; fora acompanhado de José Theodoro Rodrigues e
Joaquim Pereira, percorrer parte da estrada do Boqueirão, sem que ninguém
suspeitasse ou suspeite da honradez e caráter sério do Sr. Albergaria por ter
recebido um mimo do Sr. Carlos Theodoro, fazer o exame acompanhado por dois
homens capazes de prestar-se a ações e atos indignos. Continuemos. Além das
cartas de empenho, o menino fora autorizado para oferecer gratuitamente ao
governo a estrada que seu tio já havia oferecido na administração do Sr.
Conselheiro Carneiro de Campos, e fora por ele aceita essa oferta mentirosa! Agora,
porém, redobravam as condições vantajosas da oferta, cresciam os sacrifícios
patrióticos e aumentaram rasgos de generosidade em favor do público e dos
cofres provinciais! Que raro exemplo de patriotismo (digno de ser imitado)
praticado repetidas vezes pelo homem que antes de aparecer a idéia desta
estrada nunca os praticara para tornar o seu nome conhecido! Quem diria que a
estrada do Bom Jardim havia despertar no coração de homens tão excêntricos o
fogo de um entusiasmo tão patriótico a favor de melhoramentos de que tanto
carecemos?! O que, porém, se não conforma com isso tudo é acharem-se duas
pontes fechadas sobre o Rio Preto, sem que o público possa gozar dos excelentes
caminhos, de que nos fala o menino em seu artigo, que atravessam as fazendas dos
Srs. Fortes, que, segundo ele diz, sempre estiveram francos a todos! E os
ferrolhos? Ah! É para que o público não vá dar uma volta sem conhecimento de
causa! Está explicado! Muito bem! Continuemos. Além das cartas de empenho,
repetição de ofertas gratuitas, etc, o menino teve ordem expressa do tio para
que dissesse a todas as pessoas com quem falasse o seguinte: - Manoel Pereira
não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de dívidas,
está desgraçado! - Esta linguagem, como meio muito honesto e honroso do nosso
herói para atravancar a estrada que o incomoda, não é nova, ela é irmã gêmea da
mesma estrada, ou mais antiga por outros motivos mais sérios e graves.
Com efeito, o nosso menino como
sempre, nunca se esqueceu da fórmula recomendada, a qual já tanto se acostumou,
que repetia a um mesmo indivíduo três a quatro vezes para o tornar bem ciente
dessa circunstância importante para a causa de seu tio. E nós que desejamos
auxiliá-lo nessa tarefa nobre, assim como em todas dessa ordem, autorizados
pelo Sr. Manoel Pereira, declaramos que talvez seja essa a única verdade de que
ele se serve para o triunfo de sua causa; mas asseguramo-lhes também que ainda
essa circunstância não atravancará a estrada do Bom Jardim, ela continuará a
melhorar-se todos os dias, a conservar-se constantemente, muito embora produzam
as cartas de empenho e a nova oferta o efeito desejado.
Desse modo fica dispensado o menino
Gabriel de continuar com a sua árdua tarefa, porque, nós o repetimos: - Manoel
Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de
credores; está desgraçado! Mas a estrada do Bom Jardim continua e continuará!
Duas palavras mais para descrever o
menino Gabriel.
Este herói, para ser conhecido o
caráter, basta vê-lo, ouvi-lo e cheirá-lo. Visto, é um alfaiate de Paris!
Ouvido, é o símbolo do pedantismo! Cheirado, é um vidro de almíscar ou
patchuli! Mas como nem todos o vêm, nem todos o ouvem e nem todos o cheiram,
vamos cantá-lo em verso, porque em prosa está cantado.
I
Quando vires, leitor,
Menino magro e comprido
Trajando mui presumido,
Terás um certo doutor,
Formado para o amor.
Nunca para questões sérias,
Porque as suas misérias
Tornariam-se patentes
Desenganando as gentes
De seu saber em matérias.
II
Foi bonito, é bem feito,
Corpinho bastante esguio,
Não se parece com o tio;
Espicha a perna, anda direito,
Em namorar é perfeito;
Promove suas conquistas,
Mostrando aparentes vistas
De no futuro casar
Com aquelas que enganar
Com promessas já previstas!
III
Com luvas pretas calçando
Vê-lo-ás a toda a hora,
Calça estas as tira fora,
Sempre de cor variando,
E os gaiatos zombando
Do boneco perfumado:
Ande eu bem enfeitado
À custa de meus parentes,
Diz ele mostrando os dentes,
Embora seja zombado.
IV
Meu solar é em Lisboa,
Diz ele sério falando,
Embora esteja eu andando
Por essa terra à toa
Eu tenho nome na história,
Desses feitos de glória
De minhas antepassadas,
De lauréolas coroadas
Por mais de uma vitória.
V
Circula em minhas veias
Régio sangue puro e nobre,
Muito embora eu seja pobre,
Tenho solar com ameias;
Estou livre das cadeias,
Castigo dos plebeus,
Muito embora sejam meus,
Desprezo essa canalha,
Oriundos de gentalha,
Vil raça de pigmeus.
VI
Gasto dinheiro a granel,
Disse mal, eu não sou pobre,
Por ordem do tio nobre
Que guerreia o Manoel,
Propago certo aranzel
Para chegar ao meu fim;
Todos acreditam sim
Não continuar a guerra,
Pois gastou tudo na terra
Da estrada do Bom Jardim.
VII
Petit maître singular
Serei da história moderna,
Enteso bem minha perna,
Contradanço, sei bailar,
Farto a todos de cheirar
As minhas perfumarias,
Que enjoam por muitos dias
Quem tiver de as aturar,
Dou-me em tudo a revelar,
Até nas minhas manias.
VIII
Aqui tens, caro leitor,
O retrato lindo e fiel
Do menino Gabriel
Apelidado doutor;
Sinto, porém, certa dor
Que, sendo ele togado,
Seja só advogado
No distrito da relação,
Que lhe negou permissão
De ser nunca magistrado!
IX
É mentira, ele dirá
Quando ler este jornal,
Sou juiz municipal
Por um régio alvará;
Bem caro me pagará
O poeta desprezível
Que, reduzindo-me ao nível
Da mais simples expressão,
Feriu o meu coração
Na fibra a mais sensível.
(ass.) Pois não! Que esperança!
Correio Mercantil – 28 de abril de 1862
Gabrieladas
Continuemos a cantar em verso o
menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o
correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no
dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os
jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das
Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluira na Universidade
de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do
fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a
conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe
que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé,
que por onde passava queimava, quando não chamuscava.
Cantemos o desditoso e infeliz pai
da infeliz Eliza.
I
Passo uma vida feliz
Devido a duas questões
Gasto dinheiro aos milhões,
Sem olhar para o que se diz.
Minha tia nunca quis
Em tais questões figurar,
E muito menos gastar
O dinheiro que seu esposo,
Levando vida sem gozo,
Custara tanto a ganhar.
II
Eu, porém, que sei falar
Linguagem mui sedutora,
Engano a pobre senhora
Para dinheiro me dar;
Rio-me do seu chorar
Quando ela diz, meu sobrinho
Poupa esse dinheirinho
Que tanto custou juntar,
À força de mal passar,
A teu tio, coitadinho.
III
Acredite, minha tia,
Seu conselho seguirei;
Jamais nunca gastaria
Com bazofia ou bizarria.
Nunca mais esqueceria
Essa lembrança da história
Que faz a nossa glória
O nome de Thereziano,
E o de José Floriano,
De mui saudosa memória.
IV
Sei da história desgraçada
Deste último, tio meu,
Que na indigência morreu,
Não herdando de nós nada;
A família malfadada
Sofre demais a opressão
Que contrista o coração
Do ente o menos sensível,
Mas é vontade invencível
Do tio Dr. Zangão.
V
Portanto não gastarei
Sem motivo justo e nobre
O dinheiro que ao pobre
Ele e não eu roubei
Brevemente voltarei
Desta viagem ligeira,
Darei conta verdadeira
À minha boa madrinha,
Que verá da conta minha
Não ter gasto em bandalheira.
VI
Sigo então para Minas
Com ricos pagens fardados,
Quase como eu perfumados,
A conquistar as meninas
A quem repito mofinas
Até fazê-las ceder;
E depois venho dizer:
Minha tia, mais dinheiro,
Que o remendão carpinteiro
Pretende a questão vencer.
VII
Que vergonha minha tia,
Se tal coisa acontecer!
Tio doutor há de morrer
De paixão no outro dia:
Quem tal coisa pensaria
Depois de trabalhos tantos
De festas feitas aos santos,
Presentes à Albergaria,
Eu sempre de romaria
Sofrendo trabalhos quantos!
VIII
Eis que a pobre velhinha,
Por tais razões convencida,
Restando-lhe pouca vida,
Preenche a vontade minha,
Lastimando coitadinha
Por acreditar em mim;
Digo não há coisa assim
Como as duas questões:
Os Fortes fracos ladrões,
E a estrada do Bom Jardim.
IX
Que trabalhos, minha tia,
Sofri eu, passando mal
No Supremo Tribunal
E Relação da Bahia!
De noite nunca dormia
Pensando nestas questões,
Procurava distrações
Com medo de enlouquecer,
Promovendo assim vencer
Os Fortes fracos ladrões.
X
Sinto, porém, um pesar
Que me oprime o coração,
É que, finda esta questão,
Nesta cena singular,
Onde hei representado
Com caráter de honrado
O mais brilhante papel,
Passando por bacharel
Na velha Coimbra formado.
XI
Sinto mais ser divulgado
Por um moderno jornal
Segredo que em Portugal
Eu deixei recomendado;
Quis a morte, quer o fado
Que eu seja muito infeliz,
Suportando o que se diz
De minhas vadiações
Lá na terra de Camões,
Onde estudar nunca quis.
XII
Morreu a pobre Elizinha
De uma desgraça fatal,
Podendo de Portugal
Vir um dia a ser rainha;
Bastava se filha minha,
Que tenho sangue real,
Fosse embora bem ou mal
Essa menina arranjada
Com fidalga ou criada,
Ninguém sabia de tal.
(ass.) – O Rodim Rio-Pretano
Correio Mercantil – 6 de junho de 1862
I
Desculpa leitor amigo
Esta minha versalhada,
Sem medida e mal rimada
Que é esta a regra que sigo,
Desde tempo mui antigo
Conheço certas questões
Que só em versos ratões
Devem hoje ser cantadas,
Hoje queremos estradas
E não fechados portões.
II
Derrubem-se os mandões
Ridicularizem-se os tais,
Que sem menos nem mais
Vedam públicas servidões;
Complicam as questões,
Tudo oferecem sem cumprir;
Não se fartam de mentir,
E o público a sofrer
Dando voltas de morrer
E há de calar e ouvir?! Não.
(do
autor)
Gabrieladas
I
A Câmara Municipal
Desta nossa pobre vila
Embirrou, tomou quizila,
De nossa estrada fatal;
Procura-lhe fazer mal
Votando indicações
Pra que se abram portões
Que nunca deram caminho,
A um célebre homenzinho
Que insulta nossos brasões.
II
Esse mal eu já previa
Na passada eleição
Por isso de coração
Pedi muito a minha tia,
A ver se ela gostaria
Para eu sair presidente
Da Câmara com a minha gente;
Mas ela não quis assim
E o ingrato Bom Jardim
Fez-me ficar suplente.
III
Dos honrados suplentes
Presidente fiquei sendo,
E tão duro osso roendo
Com meus prateados dentes;
Combinei com meus parentes
Anular tal eleição,
Incumbindo-se o Zangão
De trapacear e mentir,
Até o poder conseguir
Dos poderes da nação.
IV
Depois de muito esperar,
De dois anos ter passado,
Vai o conselho de estado
Dá-me um cheque de matar!
Apeou-me do lugar
Na ordem da votação,
Sustentando a eleição
Do ingrato Bom Jardim
Que não quis votar em mim
Por causa do Boqueirão.
V
Passar por tal decepção
Depois de tantos trabalhos,
Antes bater com dois malhos
Na cabeça do Zangão;
Cortar-lhe mesmo o ferrão
E por-lhe o corpo a tinir,
Já que não soube zumbir
Para produzir efeito;
Zumbir a torto e a direito,
Não presta para mentir.
VI
Triste foi a decisão,
Cruel o meu padecer;
Antes queria morrer
Na pessoa do Zangão.
Dar gostos ao remendão
E a roda municipal
Foi desgraça sem igual
Para mim e meus parentes,
Que passados e presentes
Lastimamos este mal.
VII
Que me resta? Paciência.
A custo mostrar os dentes,
Já que até dos suplentes
Tiraram-me a presidência!
Alegre na aparência,
Vingança no coração,
Esperar a eleição,
Vencer a ferro e a fogo,
Mostrando assim ao povo
Que fortes os Fortes são!
VIII
Que nos resta? Suportar
Ainda por mais dois anos
O capricho dos tiranos,
Dessa câmara popular
Que não cessa de embirrar
Contra a nossa pretensão
De acabar com o Boqueirão,
Cortando pontas e serras
Para defender as terras
Do tio Doutor Zangão.
IX
Continue, não importa
A Câmara a representar
Ao Governo sem parar,
Que tal estrada está morta;
Ou seja direita ou torta
Essa por nós oferecida,
Ela será preferida
Pois temos muito dinheiro,
Não haverá engenheiro
Que contra nós se decida.
X
Mas se acaso algum turrão
Embirrar com a nossa estrada
Por não ter sido traçada
Com declive muito bom,
Responderemos então
Pela seguinte maneira
- A serra da Mantiqueira
Que nos opõe embaraços
Vai ceder a Fortes braços
Ainda que Deus não queira.
XI
Que! Atravessar uma estrada
Por meio de nossas terras
Perfurem-se montes e serras
Reduza-se tudo a nada;
Nossa justa pretensão
Entupir o Boqueirão.
Arrasando a Mantiqueira
É esperança lisonjeira
Do tio Dr. Zangão.
XII
Não olhemos a despesa
No custo de nossa estrada
Fique, pois, bem acabada
Essa magna empresa;
Imite-se a natureza
Com um outro boqueirão,
Mas feito em tal direção
No atravessar a serra
Que não vá cortar a terra
Do tio Dr. Zangão.
XIII
Arrasar a Mantiqueira
Para passar nossa estrada,
Custará pouco ou nada,
Será mesmo outra ligeira;
Ainda sendo a primeira
Em gênero e construção,
Elegância e perfeição,
Que perpetue na história
Um tal feito de glória
Do tio Dr. Zangão.
XIV
Perfure-se essa montanha,
Conste da história dos fatos
Célebres como o do Athos,
Hum, de glória tamanha!
Não foi maior a façanha
Desse antigo guerreiro
Por ter sido o primeiro
Que citou a natureza (1)
Para ceder com presteza
A seu poder e dinheiro.
XV
Imitemos o guerreiro
Que intimou o monte Athos
Não impedisse os atos
Dos monarcas o primeiro,
Do contrário iria inteiro
Entupir o oceano
Por ordem do soberano,
Que não poderia sofrer
Resistisse a seu querer
O soberbo monte ufano.
XVI
Perfurar a Mantiqueira
Aos Fortes será possível,
Reduzi-la mesmo a nível
Ainda que Deus não queira!
Desmentir ao Aroeira
E sua informação
Acerca do Boqueirão,
É dos Fortes um dever,
Para o mundo conhecer
A sua forte razão.
XVII
Entupir o boqueirão
Arrasando a Mantiqueira
A picão e cavadeira
A cavadeira e picão
Foi lembrança do Zangão
Foi lembrança lisonjeira
Ainda que Deus não queira
Disse ele estando a tossir
Por força hei de conseguir
Arrasar a Mantiqueira.
(ass.) O Menino
(1) Xerxes tendo perdido grande parte do
seu exército na passagem difícil do monte Athos, deu ordem para que fosse
perfurado, escrevendo-lhe ao mesmo tempo uma carta que lhe dizia que não se
opusesse a sua resolução, do contrário o mandaria lançar no oceano.
A resposta do monte a tal intimação não
é conhecida; talvez agora se encontra nas entranhas da serra, que vai ser
perfurada com o mesmo fundamento. Se assim acontecer, que achado para a
história!
Correio Mercantil – 12 de outubro de
1862.
N.B.
– Existe uma quantidade grande de artigos, choradas em versos e mofinas,
referentes a esta questão desde 1856.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Antônio José de Freitas
A Estrada do Bom Jardim e
o Menino Gabriel.
( cedido por Rodrigo
Fortes).
Quando todos cuidaram que esta
grande via de comunicação, a mais importante para os municípios de maior
produção do sul de Minas, estaria livre e desassombrada da guerra que há seis
anos lhe move o capricho de uma célebre; quando ninguém supunha que essa guerra
reaparecesse em vista do fato incontestável de fazer-se por esta todo o
trânsito que de outrora pelas estradas do Chora e Santa Rita de Jacutinga se
fazia; quando finalmente, essa estrada e sua direção, ultimamente examinada por
dois engenheiros distintos, foi por eles julgadas as de melhores condições não
só para rodagem de primeira classe, como para uma via férrea de declividade
nunca excedente a 1 ½ %; eis que aparece nas colunas do Correio Mercantil de 28
de março último, oculto como sempre, o menino que compõe a epígrafe deste
artigo, dirigindo chalaças e delusões indiscretas, ou melhor, estúpidas, aos
Srs. Engenheiros Aroeira e Manoel Pereira, pelo fato de haverem percorrido
juntos as duas estradas que se disputam a preferência. Não refutaremos essas
parvas alusões, porque elas se acham refutadas pelo contraste de caráter que há
entre o agressor e os agredidos.
Escrevendo este artigo, só temos em
vista informar o público da pertinácia com que se pretende ainda demorar a
solução da mais célebre questão que nesse gênero tem aparecido, e que o mesmo
público aguarda com interesse. Certo o mesmo Gabriel de que o engenheiro
Aroeira não fora fascinado pelo melodiano canto das sereias bípedes, a quem
fora por ele apresentado, com a mesma facilidade com que o Sr. Domonte se
fascinara pelas sereias quadrúpedes, e nem tão pouco a riqueza e magnificência
do palácio em que fora hospedado lhe haviam ofuscado a vista e transviado a
razão para não distinguir o superior do péssimo, partiu imediatamente para o
Rio de Janeiro para informar ao tio doutor desse raro e espantoso fenômeno!
Dias depois seguia ele a caminho de
Ouro Preto munido de cartas de empenho para que o presidente de Minas não desse
crédito às informações do engenheiro Aroeira, visto como, tinha ele feito os
exames das estradas em questão em companhia de Manoel Pereira! Esquecia-se o
menino que tinha ido debaixo de chuva, por caminho quase intransitável por
causa da enchente do Rio Preto, encontrar o mesmo engenheiro, obsequiá-lo
acompanhando-o no dia seguinte até a fazenda Santa Clara, aonde pernoitaram sem
que esse fato inspirasse o menor receio a ninguém, tanto a respeito do caráter
do hospedante, como da honradez do hospedado.
Esquecia-se ainda que dias antes o
Sr. Albergaria, encarregado pelo governo de examinar de passagem a questão,
viajara com seu tio, que também o fora encontrar na vila do Rio Preto e
recebera dele uma besta de sela; fora acompanhado de José Theodoro Rodrigues e
Joaquim Pereira, percorrer parte da estrada do Boqueirão, sem que ninguém
suspeitasse ou suspeite da honradez e caráter sério do Sr. Albergaria por ter
recebido um mimo do Sr. Carlos Theodoro, fazer o exame acompanhado por dois
homens capazes de prestar-se a ações e atos indignos. Continuemos. Além das
cartas de empenho, o menino fora autorizado para oferecer gratuitamente ao
governo a estrada que seu tio já havia oferecido na administração do Sr.
Conselheiro Carneiro de Campos, e fora por ele aceita essa oferta mentirosa! Agora,
porém, redobravam as condições vantajosas da oferta, cresciam os sacrifícios
patrióticos e aumentaram rasgos de generosidade em favor do público e dos
cofres provinciais! Que raro exemplo de patriotismo (digno de ser imitado)
praticado repetidas vezes pelo homem que antes de aparecer a idéia desta
estrada nunca os praticara para tornar o seu nome conhecido! Quem diria que a
estrada do Bom Jardim havia despertar no coração de homens tão excêntricos o
fogo de um entusiasmo tão patriótico a favor de melhoramentos de que tanto
carecemos?! O que, porém, se não conforma com isso tudo é acharem-se duas
pontes fechadas sobre o Rio Preto, sem que o público possa gozar dos excelentes
caminhos, de que nos fala o menino em seu artigo, que atravessam as fazendas dos
Srs. Fortes, que, segundo ele diz, sempre estiveram francos a todos! E os
ferrolhos? Ah! É para que o público não vá dar uma volta sem conhecimento de
causa! Está explicado! Muito bem! Continuemos. Além das cartas de empenho,
repetição de ofertas gratuitas, etc, o menino teve ordem expressa do tio para
que dissesse a todas as pessoas com quem falasse o seguinte: - Manoel Pereira
não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de dívidas,
está desgraçado! - Esta linguagem, como meio muito honesto e honroso do nosso
herói para atravancar a estrada que o incomoda, não é nova, ela é irmã gêmea da
mesma estrada, ou mais antiga por outros motivos mais sérios e graves.
Com efeito, o nosso menino como
sempre, nunca se esqueceu da fórmula recomendada, a qual já tanto se acostumou,
que repetia a um mesmo indivíduo três a quatro vezes para o tornar bem ciente
dessa circunstância importante para a causa de seu tio. E nós que desejamos
auxiliá-lo nessa tarefa nobre, assim como em todas dessa ordem, autorizados
pelo Sr. Manoel Pereira, declaramos que talvez seja essa a única verdade de que
ele se serve para o triunfo de sua causa; mas asseguramo-lhes também que ainda
essa circunstância não atravancará a estrada do Bom Jardim, ela continuará a
melhorar-se todos os dias, a conservar-se constantemente, muito embora produzam
as cartas de empenho e a nova oferta o efeito desejado.
Desse modo fica dispensado o menino
Gabriel de continuar com a sua árdua tarefa, porque, nós o repetimos: - Manoel
Pereira não possui um só vintém, vendeu tudo quanto possuía para pagamento de
credores; está desgraçado! Mas a estrada do Bom Jardim continua e continuará!
Duas palavras mais para descrever o
menino Gabriel.
Este herói, para ser conhecido o
caráter, basta vê-lo, ouvi-lo e cheirá-lo. Visto, é um alfaiate de Paris!
Ouvido, é o símbolo do pedantismo! Cheirado, é um vidro de almíscar ou
patchuli! Mas como nem todos o vêm, nem todos o ouvem e nem todos o cheiram,
vamos cantá-lo em verso, porque em prosa está cantado.