fazenda santa clara ...Ouro, café e gado de João honorio de Paula motta

Apoio ao documentário Santa Clara...Clareai., lançado a 14 de Abril de 2018 em Santa Clara. Santa Rita de Jacutinga-MG

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Gabrielzinho Proisquelec

 

 

              I

 

Quando vires, leitor,

Menino magro e comprido

Trajando mui presumido,

Terás um certo doutor,

Formado para o amor.

Nunca para questões sérias,

Porque as suas misérias

Tornariam-se patentes

Desenganando as gentes

De seu saber em matérias.

 

              II

 

Foi bonito, é bem feito,

Corpinho bastante esguio,

Não se parece com o tio;

Espicha a perna, anda direito,

Em namorar é perfeito;

Promove suas conquistas,

Mostrando aparentes vistas

De no futuro casar

Com aquelas que enganar

Com promessas já previstas!

 

              III

 

Com luvas pretas calçando

Vê-lo-ás a toda a hora,

Calça estas as tira fora,

Sempre de cor variando,

E os gaiatos zombando

Do boneco perfumado:

Ande eu bem enfeitado

À custa de meus parentes,

Diz ele mostrando os dentes,

Embora seja zombado.

 

              IV

 

Meu solar é em Lisboa,

Diz ele sério falando,

Embora esteja eu andando

Por essa terra à toa

Eu tenho nome na história,

Desses feitos de glória

De minhas antepassadas,

De lauréolas coroadas

Por mais de uma vitória.

 

              V

 

Circula em minhas veias

Régio sangue puro e nobre,

Muito embora eu seja pobre,

Tenho solar com ameias;

Estou livre das cadeias,

Castigo dos plebeus,

Muito embora sejam meus,

Desprezo essa canalha,

Oriundos de gentalha,

Vil raça de pigmeus.

 

              VI

 

Gasto dinheiro a granel,

Disse mal, eu não sou pobre,

Por ordem do tio nobre

Que guerreia o Manoel,

Propago certo aranzel

Para chegar ao meu fim;

Todos acreditam sim

Não continuar a guerra,

Pois gastou tudo na terra

Da estrada do Bom Jardim.

 

              VII

 

Petit maître singular

Serei da história moderna,

Enteso bem minha perna,

Contradanço, sei bailar,

Farto a todos de cheirar

As minhas perfumarias,

Que enjoam por muitos dias

Quem tiver de as aturar,

Dou-me em tudo a revelar,

Até nas minhas manias.

 

              VIII

 

Aqui tens, caro leitor,

O retrato lindo e fiel

Do menino Gabriel

Apelidado doutor;

Sinto, porém, certa dor

Que, sendo ele togado,

Seja só advogado

No distrito da relação,

Que lhe negou permissão

De ser nunca magistrado!

 

              IX

 

É mentira, ele dirá

Quando ler este jornal,

Sou juiz municipal

Por um régio alvará;

Bem caro me pagará

O poeta desprezível

Que, reduzindo-me ao nível

Da mais simples expressão,

Feriu o meu coração

Na fibra a mais sensível.

 

 

(ass.) Pois não! Que esperança!

Correio Mercantil – 28 de abril de 1862

 

 

 

 

Gabrieladas

 

            Continuemos a cantar em verso o menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluíra na Universidade de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé, que por onde passava queimava, quando não chamuscava.

            Cantemos o desditoso e infeliz pai da infeliz Eliza.

 

 

 

   Gabrieladas

 

I

 

A Câmara Municipal

Desta nossa pobre vila

Embirrou, tomou quizila,

De nossa estrada fatal;

Procura-lhe fazer mal

Votando indicações

Pra que se abram portões

Que nunca deram caminho,

A um célebre homenzinho

Que insulta nossos brasões.

 

II

 

Esse mal eu já previa

Na passada eleição

Por isso de coração

Pedi muito a minha tia,

A ver se ela gostaria

Para eu sair presidente

Da Câmara com a minha gente;

Mas ela não quis assim

E o ingrato Bom Jardim

Fez-me ficar suplente.

 

III

 

Dos honrados suplentes

Presidente fiquei sendo,

E tão duro osso roendo

Com meus prateados dentes;

Combinei com meus parentes

Anular tal eleição,

Incumbindo-se o Zangão

De trapacear e mentir,

Até o poder conseguir

Dos poderes da nação.

 

IV

 

Depois de muito esperar,

De dois anos ter passado,

Vai o conselho de estado

Dá-me um cheque de matar!

Apeou-me do lugar

Na ordem da votação,

Sustentando a eleição

Do ingrato Bom Jardim

Que não quis votar em mim

Por causa do Boqueirão.

 

V

 

Passar por tal decepção

Depois de tantos trabalhos,

Antes bater com dois malhos

Na cabeça do Zangão;

Cortar-lhe mesmo o ferrão

E por-lhe o corpo a tinir,

Já que não soube zumbir

Para produzir efeito;

Zumbir a torto e a direito,

Não presta para mentir.

 

VI

 

Triste foi a decisão,

Cruel o meu padecer;

Antes queria morrer

Na pessoa do Zangão.

Dar gostos ao remendão

E a roda municipal

Foi desgraça sem igual

Para mim e meus parentes,

Que passados e presentes

Lastimamos este mal.

 

VII

 

Que me resta? Paciência.

A custo mostrar os dentes,

Já que até dos suplentes

Tiraram-me a presidência!

Alegre na aparência,

Vingança no coração,

Esperar a eleição,

Vencer a ferro e a fogo,

Mostrando assim ao povo

Que fortes os Fortes são!

 

VIII

 

Que nos resta? Suportar

Ainda por mais dois anos

O capricho dos tiranos,

Dessa câmara popular

Que não cessa de embirrar

Contra a nossa pretensão

De acabar com o Boqueirão,

Cortando pontas e serras

Para defender as terras

Do tio Doutor Zangão.

 

IX

 

Continue, não importa

A Câmara a representar

Ao Governo sem parar,

Que tal estrada está morta;

Ou seja direita ou torta

Essa por nós oferecida,

Ela será preferida

Pois temos muito dinheiro,

Não haverá engenheiro

Que contra nós se decida.

 

X

 

Mas se acaso algum turrão

Embirrar com a nossa estrada

Por não ter sido traçada

Com declive muito bom,

Responderemos então

Pela seguinte maneira

- A serra da Mantiqueira

Que nos opõe embaraços

Vai ceder a Fortes braços

Ainda que Deus não queira.

 

XI

 

Que! Atravessar uma estrada

Por meio de nossas terras

Perfurem-se montes e serras

Reduza-se tudo a nada;

Nossa justa pretensão

Entupir o Boqueirão.

Arrasando a Mantiqueira

É esperança lisonjeira

Do tio Dr. Zangão.

 

XII

 

Não olhemos a despesa

No custo de nossa estrada

Fique, pois, bem acabada

Essa magna empresa;

Imite-se a natureza

Com um outro boqueirão,

Mas feito em tal direção

No atravessar a serra

Que não vá cortar a terra

Do tio Dr. Zangão.

 

XIII

 

Arrasar a Mantiqueira

Para passar nossa estrada,

Custará pouco ou nada,

Será mesmo outra ligeira;

Ainda sendo a primeira

Em gênero e construção,

Elegância e perfeição,

Que perpetue na história

Um tal feito de glória

Do tio Dr. Zangão.

 

XIV

 

Perfure-se essa montanha,

Conste da história dos fatos

Célebres como o do Athos,

Hum, de glória tamanha!

Não foi maior a façanha

Desse antigo guerreiro

Por ter sido o primeiro

Que citou a natureza (1)

Para ceder com presteza

A seu poder e dinheiro.

 

XV

 

Imitemos o guerreiro

Que intimou o monte Athos

Não impedisse os atos

Dos monarcas o primeiro,

Do contrário iria inteiro

Entupir o oceano

Por ordem do soberano,

Que não poderia sofrer

Resistisse a seu querer

O soberbo monte ufano.

 

XVI

 

Perfurar a Mantiqueira

Aos Fortes será possível,

Reduzi-la mesmo a nível

Ainda que Deus não queira!

Desmentir ao Aroeira

E sua informação

Acerca do Boqueirão,

É dos Fortes um dever,

Para o mundo conhecer

A sua forte razão.

 

XVII

 

Entupir o boqueirão

Arrasando a Mantiqueira

A picão e cavadeira

A cavadeira e picão

Foi lembrança do Zangão

Foi lembrança lisonjeira

Ainda que Deus não queira

Disse ele estando a tossir

Por força hei de conseguir

Arrasar a Mantiqueira.

 

(ass.) O Menino

 

 

(1) Xerxes tendo perdido grande parte do seu exército na passagem difícil do monte Athos, deu ordem para que fosse perfurado, escrevendo-lhe ao mesmo tempo uma carta que lhe dizia que não se opusesse a sua resolução, do contrário o mandaria lançar no oceano.

A resposta do monte a tal intimação não é conhecida; talvez agora se encontra nas entranhas da serra, que vai ser perfurada com o mesmo fundamento. Se assim acontecer, que achado para a história!

 

Correio Mercantil – 12 de outubro de 1862.

 

N.B. – Existe uma quantidade grande de artigos, choradas em versos e mofinas, referentes a esta questão desde 1856.

 

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Antônio José de Freitas