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segunda-feira, 14 de agosto de 2023
quarta-feira, 19 de julho de 2023
Gabrielzinho Proisquelec
I
Quando vires, leitor,
Menino magro e comprido
Trajando mui presumido,
Terás um certo doutor,
Formado para o amor.
Nunca para questões sérias,
Porque as suas misérias
Tornariam-se patentes
Desenganando as gentes
De seu saber em matérias.
II
Foi bonito, é bem feito,
Corpinho bastante esguio,
Não se parece com o tio;
Espicha a perna, anda direito,
Em namorar é perfeito;
Promove suas conquistas,
Mostrando aparentes vistas
De no futuro casar
Com aquelas que enganar
Com promessas já previstas!
III
Com luvas pretas calçando
Vê-lo-ás a toda a hora,
Calça estas as tira fora,
Sempre de cor variando,
E os gaiatos zombando
Do boneco perfumado:
Ande eu bem enfeitado
À custa de meus parentes,
Diz ele mostrando os dentes,
Embora seja zombado.
IV
Meu solar é em Lisboa,
Diz ele sério falando,
Embora esteja eu andando
Por essa terra à toa
Eu tenho nome na história,
Desses feitos de glória
De minhas antepassadas,
De lauréolas coroadas
Por mais de uma vitória.
V
Circula em minhas veias
Régio sangue puro e nobre,
Muito embora eu seja pobre,
Tenho solar com ameias;
Estou livre das cadeias,
Castigo dos plebeus,
Muito embora sejam meus,
Desprezo essa canalha,
Oriundos de gentalha,
Vil raça de pigmeus.
VI
Gasto dinheiro a granel,
Disse mal, eu não sou pobre,
Por ordem do tio nobre
Que guerreia o Manoel,
Propago certo aranzel
Para chegar ao meu fim;
Todos acreditam sim
Não continuar a guerra,
Pois gastou tudo na terra
Da estrada do Bom Jardim.
VII
Petit maître singular
Serei da história moderna,
Enteso bem minha perna,
Contradanço, sei bailar,
Farto a todos de cheirar
As minhas perfumarias,
Que enjoam por muitos dias
Quem tiver de as aturar,
Dou-me em tudo a revelar,
Até nas minhas manias.
VIII
Aqui tens, caro leitor,
O retrato lindo e fiel
Do menino Gabriel
Apelidado doutor;
Sinto, porém, certa dor
Que, sendo ele togado,
Seja só advogado
No distrito da relação,
Que lhe negou permissão
De ser nunca magistrado!
IX
É mentira, ele dirá
Quando ler este jornal,
Sou juiz municipal
Por um régio alvará;
Bem caro me pagará
O poeta desprezível
Que, reduzindo-me ao nível
Da mais simples expressão,
Feriu o meu coração
Na fibra a mais sensível.
(ass.) Pois não! Que esperança!
Correio Mercantil – 28 de abril de 1862
Gabrieladas
Continuemos a cantar em verso o
menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o
correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no
dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os
jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das
Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluíra na Universidade
de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do
fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a
conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe
que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé,
que por onde passava queimava, quando não chamuscava.
Cantemos o desditoso e infeliz pai
da infeliz Eliza.
Gabrieladas
I
A Câmara Municipal
Desta nossa pobre vila
Embirrou, tomou quizila,
De nossa estrada fatal;
Procura-lhe fazer mal
Votando indicações
Pra que se abram portões
Que nunca deram caminho,
A um célebre homenzinho
Que insulta nossos brasões.
II
Esse mal eu já previa
Na passada eleição
Por isso de coração
Pedi muito a minha tia,
A ver se ela gostaria
Para eu sair presidente
Da Câmara com a minha gente;
Mas ela não quis assim
E o ingrato Bom Jardim
Fez-me ficar suplente.
III
Dos honrados suplentes
Presidente fiquei sendo,
E tão duro osso roendo
Com meus prateados dentes;
Combinei com meus parentes
Anular tal eleição,
Incumbindo-se o Zangão
De trapacear e mentir,
Até o poder conseguir
Dos poderes da nação.
IV
Depois de muito esperar,
De dois anos ter passado,
Vai o conselho de estado
Dá-me um cheque de matar!
Apeou-me do lugar
Na ordem da votação,
Sustentando a eleição
Do ingrato Bom Jardim
Que não quis votar em mim
Por causa do Boqueirão.
V
Passar por tal decepção
Depois de tantos trabalhos,
Antes bater com dois malhos
Na cabeça do Zangão;
Cortar-lhe mesmo o ferrão
E por-lhe o corpo a tinir,
Já que não soube zumbir
Para produzir efeito;
Zumbir a torto e a direito,
Não presta para mentir.
VI
Triste foi a decisão,
Cruel o meu padecer;
Antes queria morrer
Na pessoa do Zangão.
Dar gostos ao remendão
E a roda municipal
Foi desgraça sem igual
Para mim e meus parentes,
Que passados e presentes
Lastimamos este mal.
VII
Que me resta? Paciência.
A custo mostrar os dentes,
Já que até dos suplentes
Tiraram-me a presidência!
Alegre na aparência,
Vingança no coração,
Esperar a eleição,
Vencer a ferro e a fogo,
Mostrando assim ao povo
Que fortes os Fortes são!
VIII
Que nos resta? Suportar
Ainda por mais dois anos
O capricho dos tiranos,
Dessa câmara popular
Que não cessa de embirrar
Contra a nossa pretensão
De acabar com o Boqueirão,
Cortando pontas e serras
Para defender as terras
Do tio Doutor Zangão.
IX
Continue, não importa
A Câmara a representar
Ao Governo sem parar,
Que tal estrada está morta;
Ou seja direita ou torta
Essa por nós oferecida,
Ela será preferida
Pois temos muito dinheiro,
Não haverá engenheiro
Que contra nós se decida.
X
Mas se acaso algum turrão
Embirrar com a nossa estrada
Por não ter sido traçada
Com declive muito bom,
Responderemos então
Pela seguinte maneira
- A serra da Mantiqueira
Que nos opõe embaraços
Vai ceder a Fortes braços
Ainda que Deus não queira.
XI
Que! Atravessar uma estrada
Por meio de nossas terras
Perfurem-se montes e serras
Reduza-se tudo a nada;
Nossa justa pretensão
Entupir o Boqueirão.
Arrasando a Mantiqueira
É esperança lisonjeira
Do tio Dr. Zangão.
XII
Não olhemos a despesa
No custo de nossa estrada
Fique, pois, bem acabada
Essa magna empresa;
Imite-se a natureza
Com um outro boqueirão,
Mas feito em tal direção
No atravessar a serra
Que não vá cortar a terra
Do tio Dr. Zangão.
XIII
Arrasar a Mantiqueira
Para passar nossa estrada,
Custará pouco ou nada,
Será mesmo outra ligeira;
Ainda sendo a primeira
Em gênero e construção,
Elegância e perfeição,
Que perpetue na história
Um tal feito de glória
Do tio Dr. Zangão.
XIV
Perfure-se essa montanha,
Conste da história dos fatos
Célebres como o do Athos,
Hum, de glória tamanha!
Não foi maior a façanha
Desse antigo guerreiro
Por ter sido o primeiro
Que citou a natureza (1)
Para ceder com presteza
A seu poder e dinheiro.
XV
Imitemos o guerreiro
Que intimou o monte Athos
Não impedisse os atos
Dos monarcas o primeiro,
Do contrário iria inteiro
Entupir o oceano
Por ordem do soberano,
Que não poderia sofrer
Resistisse a seu querer
O soberbo monte ufano.
XVI
Perfurar a Mantiqueira
Aos Fortes será possível,
Reduzi-la mesmo a nível
Ainda que Deus não queira!
Desmentir ao Aroeira
E sua informação
Acerca do Boqueirão,
É dos Fortes um dever,
Para o mundo conhecer
A sua forte razão.
XVII
Entupir o boqueirão
Arrasando a Mantiqueira
A picão e cavadeira
A cavadeira e picão
Foi lembrança do Zangão
Foi lembrança lisonjeira
Ainda que Deus não queira
Disse ele estando a tossir
Por força hei de conseguir
Arrasar a Mantiqueira.
(ass.) O Menino
(1) Xerxes tendo perdido grande parte do
seu exército na passagem difícil do monte Athos, deu ordem para que fosse
perfurado, escrevendo-lhe ao mesmo tempo uma carta que lhe dizia que não se
opusesse a sua resolução, do contrário o mandaria lançar no oceano.
A resposta do monte a tal intimação não
é conhecida; talvez agora se encontra nas entranhas da serra, que vai ser
perfurada com o mesmo fundamento. Se assim acontecer, que achado para a
história!
Correio Mercantil – 12 de outubro de
1862.
N.B.
– Existe uma quantidade grande de artigos, choradas em versos e mofinas,
referentes a esta questão desde 1856.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Antônio José de Freitas