I
Quando vires, leitor,
Menino magro e comprido
Trajando mui presumido,
Terás um certo doutor,
Formado para o amor.
Nunca para questões sérias,
Porque as suas misérias
Tornariam-se patentes
Desenganando as gentes
De seu saber em matérias.
II
Foi bonito, é bem feito,
Corpinho bastante esguio,
Não se parece com o tio;
Espicha a perna, anda direito,
Em namorar é perfeito;
Promove suas conquistas,
Mostrando aparentes vistas
De no futuro casar
Com aquelas que enganar
Com promessas já previstas!
III
Com luvas pretas calçando
Vê-lo-ás a toda a hora,
Calça estas as tira fora,
Sempre de cor variando,
E os gaiatos zombando
Do boneco perfumado:
Ande eu bem enfeitado
À custa de meus parentes,
Diz ele mostrando os dentes,
Embora seja zombado.
IV
Meu solar é em Lisboa,
Diz ele sério falando,
Embora esteja eu andando
Por essa terra à toa
Eu tenho nome na história,
Desses feitos de glória
De minhas antepassadas,
De lauréolas coroadas
Por mais de uma vitória.
V
Circula em minhas veias
Régio sangue puro e nobre,
Muito embora eu seja pobre,
Tenho solar com ameias;
Estou livre das cadeias,
Castigo dos plebeus,
Muito embora sejam meus,
Desprezo essa canalha,
Oriundos de gentalha,
Vil raça de pigmeus.
VI
Gasto dinheiro a granel,
Disse mal, eu não sou pobre,
Por ordem do tio nobre
Que guerreia o Manoel,
Propago certo aranzel
Para chegar ao meu fim;
Todos acreditam sim
Não continuar a guerra,
Pois gastou tudo na terra
Da estrada do Bom Jardim.
VII
Petit maître singular
Serei da história moderna,
Enteso bem minha perna,
Contradanço, sei bailar,
Farto a todos de cheirar
As minhas perfumarias,
Que enjoam por muitos dias
Quem tiver de as aturar,
Dou-me em tudo a revelar,
Até nas minhas manias.
VIII
Aqui tens, caro leitor,
O retrato lindo e fiel
Do menino Gabriel
Apelidado doutor;
Sinto, porém, certa dor
Que, sendo ele togado,
Seja só advogado
No distrito da relação,
Que lhe negou permissão
De ser nunca magistrado!
IX
É mentira, ele dirá
Quando ler este jornal,
Sou juiz municipal
Por um régio alvará;
Bem caro me pagará
O poeta desprezível
Que, reduzindo-me ao nível
Da mais simples expressão,
Feriu o meu coração
Na fibra a mais sensível.
(ass.) Pois não! Que esperança!
Correio Mercantil – 28 de abril de 1862
Gabrieladas
Continuemos a cantar em verso o
menino Gabriel; antes de tudo, porém, transcreveremos uma notícia que o
correspondente de Portugal transmitiu ao Diário do Rio e que foi publicada no
dia 23 de maio, que diz respeito a esse nosso inocente herói. Começa assim: “Os
jornais do Porto dão conta de um desastre de que foi vítima, no convento das
Ursulinas, uma menina de nove anos. A infeliz menina chamava-se Eliza Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, filha de um rico brasileiro chamado Gabriel
Ploesckelech Fortes de Bustamante, que ainda há pouco concluíra na Universidade
de Coimbra a sua formatura em Direito: essa infeliz menina morreu vítima do
fogo, etc”. Que pena e que dor temos de não conhecer essa menina! Se a
conhecêssemos, talvez tivéssemos prevenido essa lamentável desgraça, advertindo-lhe
que se acautelasse do fogo, porque seu pai era um formidável e forte busca-pé,
que por onde passava queimava, quando não chamuscava.
Cantemos o desditoso e infeliz pai
da infeliz Eliza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário