III Inauguração da matriz da Vila de Rio Preto construída:
inicio por Francisco Theresiano Fortes,
após seu falecimento: sua esposa Maria Teresa de Sousa Fortes e seu irmão Carlos Theodoro de Sousa Fortes.
Fonte: Revista Popular.
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[...] Eram 7 horas quando
acordei no dia seguinte, A Villa trajava roupas de gala; era dia de festa.
Primeiro um passeio pela vila e depois saberemos a razão da festa O criado
trouxe-nos café, que era excelente. Depois de tomar uma xícara do delicioso
Moca, embucei-me nos trajos domingueiros e fui lançar um rápido olhar a essa
vila, outr'ora celebre nos fastos da ultima revolução mineira. A vila do Rio
Preto é pequena, e, terá uma população, pouco mais ou menos de quinhentas
almas. Colocada em uma planície, a margem do Rio Preto, de onde lhe vem o nome
e cercada dê morros, não pôde ser saudável, visto o embaraço que encontra o ar
para poder livremente girar. Tem apenas uma rua extensa, que vai terminar em
uma praça, que é dominada pela velha matriz e onde se acha colocada a nova. Além d'esta rua tem mais outras pequenas ruinhas
ou becos, de quase nenhuma importância.
A velha matriz está a desabar; pequeno
templo, sem architecturas em estilo e sem gosto, completamente arruinado, não estava!
Própria para continuar a servir de morada ao Deus três vezes Santo.
A vila,
pois, como dizia, trajava vestidos de gala.
Na praça em frente á rua principal,
elevava-se um arco com inscrições douradas e cheias de bandeiras e arandelas e
seda; a rua estava juncada de folhas, nas janelas luzindo os formosos
semblantes das Rio-Pretenses e o povo aglomerava-se na rua.
Expliquemos ao
leitor a razão da festa. Era morador no município do Rio Preto um dos homens
mais distintos de Minas, o Senhor comendador Francisco Thereziano Fortes. Ativo,
empreendedor, de inteligência pouco vulgar, o Sr comendador Thereziano prestou
os mais relevantes serviços à província que era filho. Era um d'esses homens de
tempera antiga e do mais bem formado coração. Entre outros exemplos que° eu
poderia apresentar basta-me o seguinte. O Senhor comendador Thereziano possui
«m numero avultadíssimo de escravos”. Em vez, porém de imitar o procedimento
desses senhores brutais que apenas veem no escravo uma máquina de trabalho, que
o considera como coisa, como animais de carga, trata-os ele veem , tratava-os
ele ao contrario com o desvelo de pai, com
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Considerando-os
quase como companheiros, que o auxiliavam em sua obra de progresso humanitário.
Compreendendo quanto deveria sofrer o coração de um escravo, procurava amenizar
lhe a vida, e, o que é mais, levando a bondade ate o seu limite, todos os anos,
no dia de Natal, concedia a carta de liberdade aqueles d'entre os que mais o
tinham auxiliado, e que por sua dedicação e procedimento se mostravam dignos de
semelhante favor.
Religioso, não podia ver indiferente que o
dente do tempo fosse corroendo a casa do Senhor, não podia consentir que
continuasse a ser sua morada um edifício que desabava em ruinas, mal asseado,
sem majestade, sem arquitetura e sem gosto.
E o Senhor comendador Thereziano, pois,
empreendeu a edificação, ai n essas alturas, a despeito de todos os obstáculos
e contrariedades que se lhe antolhavam, de um templo magnífico, de uma majestosa
e imponente matriz, que pudesse servir dignamente de morada á majestade do
Eterno. E a obra começou.
Mil contratempos vieram embaraça-lo; foi senhor lutar
com mil dificuldades; mas suas forças haviam sido calculadas, e homem de
quebrar e não de torcer, na expressão vigorosa de Sá de Miranda, nunca recuou
da empresa e a obra marchava por diante.
Mas no livro da Providencia havia-lhe
os dias chegado ao termo; a mão do Eterno pesou-lhe no ombro, selou-se-lhe o
livro da vida, e Deus chamou-o para o céu. Não lhe foi dado terminar o que com
tanto prazer havia começado; não pôde acabar aquilo que era a cogitação de seus
dias e o sonho de suas noites; preparará os materiais, vira subir os alicerces,
e depois, como o rei profeta, fora dormir no seio de Abrahão. O Senhor comendador
Thereziano, porém, era casado com a Exma. Sra. D. Maria Thereza de Souza
Fortes. Semelhante a Salomão, quis continuar e terminar a obra de seu esposo.
Zombando das dificuldades, dotada de um heroísmo raro, de uma dedicação a toda
a prova, meteu mãos á empresa que seu esposo havia encetado.
Passaram-se meses
e a obra subia, e um dia as paredes desabam, e fica inutilizada â obra, que
tanto suor, tantos incômodos e tanto dinheiro custara.
A heroína, porém não recuou.
O Sr. Dr. Gabriel de Bustamante, seu sobrinho, acabava de chegar da Europa,
trazendo da Universidade de Coimbra o diploma de bacharel em Direito. Assumiu
logo, com a direção dos seus negócios, a direção da obra.
O hábil arquiteto
Villaronga foi incumbido da tarefa, e em Novembro de 1861, com júbilo de todos
os Rio-Pretenses, o belo e majestoso templo, de simples, mas elegante arquitetura
abria suas espaçosas portas ao numeroso concurso dos fieis. Segundo os desejos
de seu esposo, a viúva do comendador Thereziano oferecia o templo para a Matriz
da vila do Rio Preto.
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Eis ai a razão, pois, porque a vila de
Rio Preto ostentava galas e trajava roupas de festa. Voltei para casa, e,
preparada a mesa, fomos almoçar. Ora, baiano como sou, não posso passar sem a
infalível farinha de mandioca. Na véspera, á noite, meu estômago estava de tal
maneira que nem reparei na falta d'ela; mas agora, no almoço, mostrava-se mais
exigente e reclamava aquilo a que estava habituado. Lancei os olhos sobre a
mesa; mas nada. Em pequeninas bandejas, mui delicadamente trabalhadas, vi
alguma coisa que me pareceu açúcar refinado Notei que os convidados
passavam-nas uns aos outros e polvilhavam com o conteúdo os pratos. Não podia
compreender que gosto havia em polvilhar de assucar os guisados da mesa. Não
achando farinha, lancei mão de um prato de tutú e tirei d'ele uma boa colher.
Aposto que o leitor ignora o que é tutu. Pois aprenda. E' o prato predileto da
cozinha mineira; é o prato cosmopolita, que vai a todas as mesas, pobre ou
rica, democrática ou aristocrática, é o simples das mesas mineiras e a mais
confortável (deixem passar o termo), nutritiva e saborosa de todas as comidas
mineiras. E o feijão preto cosido e machucado e misturado com farinha de milho.
Eis o tutu. Enchi-me pois d'essa
admirável comida e, se não fosse o respeitar certas conveniências pessoas,
diria que comi a fazer inveja a um barbadinho. Veio o, café acompanhado de
doces e bolinhos, e entre eles um admirável prato de sonhos. [...]! O que faz a
moca, quando sem ler, tem os olhos fitos no livro,
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[...] Então compreendi a admiração do
doutor. Terminado o almoço sai, e com diversos convidados que estão em casa fui
assistir à entrada na Vila da Exma. .
Sra. D. Maria Thereza que vinha de sua fazenda de Santa Clara, distante
da Vila pouco mais de três léguas.
Um
grande número
De cavalheiros e senhoras tinham ido
espera-la a meia légua de distância.
Girandolas de foguetes que subiam ao
ar nos anunciavam que a heroína se aproximava. Procurei imediatamente u m lugar
de onde pudesse tudo presenciar.
Com
efeito, minutos depois despontaram os cavaleiros que lhe faziam alas à liteira.
Por entre o arco passou o transito. Ali
meninas vestidas de branco lançavam flores sobre a viúva e os cavaleiros e as
senhoras das janelas agitavam os lenços. Senhora* D. Maria Thereza vinha na
liteira ao lado de sua
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irmã a Exa. Sra. D. Maria Benedicta, mãe
do Dr. Gabriel.
Trajava com a maior singeleza do mundo. Era um vestido roxo e
um chalé preto. Vinha bastante comovida; a lembrança do esposo que se finara
sem ter tido tempo de terminar a obra que começara as saudades tão pungentes,
que lhe tortura vão o peito, as demonstrações tão espontâneas aquele povo, que
a chamava sua benfeitora, a matriz que pela primeira vez ela via tudo isso a
comovia extraordinariamente. Pálida apeou-se da liteira á porta da casa em que
nos achávamos hospedados; com um sorriso de melancolia e de bondade agradeceu
aos que a acompanhavam, e alquebrada por tantas emoções foi descansar em sua
câmara. Estava eu a refletir n’essa coisa da vida, quando, senti baterem-me no
ombro. Ergui os olhos. Era o meu amigo Albino de Freitas Castro, que eu havia
encontrado em Valença e que... achava-se na vila do Rio Preto. E esta, disse eu
admirado, por aqui? - E porque não? Saí hoje de Valença muito cedo, e eis-me
aqui. - Bom; folgo muito com isto. Demora-se muito? - Em quanto houver festa
por cá; não faço falta em Valença e aqui me distraio, perfeitamente. Vou apresenta-lo
ao Dr. Gabriel de, Bustamante; não careço de apresentação, conheço-o da corte.
—• Tanto melhor; então vamos até Ia, porque este sol queima. E conversando
entramos em casa, e deixando-me o Albino, foi apertar a mão ao doutor. Em
seguida veio o doutor apresentar-me os dois seus tios, os Srs. Carlos Theodoro
e Carlos José, que haviam chegado com a Exma. Sra. D. Maria Thereza. O Sr.
Carlos Theodoro é um excelente caráter e, sobretudo um excelente coração. Suas
maneiras são agradáveis e fáceis, mas um pouco reservadas. Há n'ele um quer que
seja de acanhamento, que se desaparece, quando se tem estabelecido tal ou qual
intimidade. Então sua conversação é expansiva e até espirituosa. O Sr. Carlos
José é mais expansivo ou premier abord; de conversação fácil e insinuante,
agrada aqueles que encetam com ele relações. Prestimoso em excesso é perfeito cavaleiro
em sua casa, procurando adivinhar a vontade de seus hospedes e satisfazendo até
seus menores caprichos. Eu que escrevo estas linhas, posso atestar o que ai
digo, por experiência própria. E já que o leitor conhece esses dois cavaleiros,
façamo-lo travar conhecimento também com a Exma. Sra. D. Maria Benedicta, mãe
do Dr. Gabriel. Esta excelente senhora reside na cidade de S. João del Rei[...]
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